Documento menciona itens de claro interesse da China e também reitera pedido de que ambos os lados retomem o processo de negociações visando a paz. Embora possa ser vista como uma contribuição ao esforço para criar condições para a retomada das conversações, proposta não terá impacto no contexto do prolongamento do conflito, pois trata apenas indiretamente dos temas mais sensíveis de interesse dos dois lados

Por Rubens Barbosa*
Foi divulgada nesta sexta-feira (24) a proposta do Ministério do Exterior chinês para encaminhar discussões com o objetivo de cessar as hostilidades na Ucrânia. Mais do que um plano de paz (não há uma proposta concreta), a proposta chinesa representa a visão de Beijing de como deveria ser encaminhado o processo de paz, resguardando os interesses chineses e aspirações genéricas que não contribuirão para a mudança das narrativas russa e ucraniana, nem das condições apresentadas pelos dois lados para sentar-se à mesa.
Os principais pontos do documento chinês são: pedido para a retomada das conversações para alcançar a paz, o fim das sanções unilaterais e oposição ao uso de armas nucleares.
O documento de dez pontos, em resumo, inclui o seguinte:
1. Respeito à soberania de todos os países (na prática, trata do respeito à soberania da Ucrânia e por implicação à retirada das tropas russas do território ucraniano, mas também a soberania russa, com a neutralidade da Ucrânia e a não aprovação de seu ingresso na Otan; a referência a integridade territorial pode ser lida dos dois lados, em vista da expansão da Otan);
2. Abandono da mentalidade da Guerra Fria (referência direta ao establishment norte-americano com ações que levam a uma Guerra Fria em novas bases com a China);
3. Fim das hostilidades (sem apresentar nenhuma proposta para que os dois lados voltem a conversar e suspendam as hostilidades, reconhecendo as dificuldades práticas do atual momento);
4. Retomada das conversas sobre paz (também sem indicar como, nem apresentar uma proposta de agenda);
5. Resolução da crise humanitária (com medidas concretas para segurança para os civis, proteção aos refugiados e ajuda humanitária);
6. Proteção dos civis e prisioneiros de guerra (respeito à legislação internacional por todos os lados);
7. Manutenção das usinas nucleares seguras (referência aos dois lados e ao respeito à convenção sobre a segurança nuclear);
8. Redução dos riscos estratégicos (referência direta à possibilidade de a Rússia utilizar armas nucleares táticas e sua condenação, além do uso de armas químicas e biológicas);
9. Facilitação da exportação de grãos (referência ao acordo da Rússia com a Ucrânia para permitir o escoamento da safra de grãos ucranianos pelo porto de Odessa e impedir a alta sem controle dos preços no mercado internacional);
10. Suspensão das sanções unilaterais (medidas tomadas pelos EUA e países ocidentais contra a Rússia);
11. Manutenção das cadeias industriais e de fornecimento estáveis (referência clara aos interesses chineses);
12. Promoção da reconstrução do país após o fim do conflito (chamamento à participação da comunidade internacional e não apenas da Rússia).
A reação dos EUA foi imediata, rejeitando o position paper chinês, visto por Washington como tendencioso e claramente favorável à Rússia, contra a Ucrânia.
O documento menciona itens de claro interesse da China, como o abandono da mentalidade de Guerra Fria, facilitação da exportação de grãos, manutenção das cadeias industriais e de fornecimento em bases estáveis e a oposição a sanções unilaterais que, no caso de eventual crise em Taiwan, seriam aplicadas pelos EUA contra a China.
O documento também reitera conhecidas posições públicas da China sobre a guerra, inclusive o pedido de que ambos os lados retomem o processo de negociações visando a paz.
Embora possa ser visto como uma contribuição ao esforço para criar condições para a retomada das conversações, o documento não terá impacto no contexto do prolongamento do conflito, pois trata apenas indiretamente dos temas mais sensíveis de interesse dos dois lados.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.