A América Latina na política externa dos EUA sob Trump
O presidente eleito dos Estados Unidos está completando o time no Departamento de Estado para cuidar da América Latina, o que pode colocar pressão sobre o Brasil e a região

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, está completando o time no Departamento de Estado para cuidar da América Latina. Além do secretário de Estado, Marco Rubio, acaba de ser indicado como enviado especial do Departamento de Estado para a América Latina, Mauricio Claver-Carone.
Claver-Carone é considerado como pessoa próxima do senador Rubio na Flórida, o novo secretário de Estado, descendente de cubanos e conservador. Considerado um linha dura em política externa, ele terá a seu cargo – depois de aprovado pelo Senado – a liderança das questões globais como a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o conflito no Oriente Médio, o novo governo da Síria e a presença norte-americana, a competição com a China, o programa nuclear do Irã, o narcotráfico, a migração, a partir do México, e a presença das ditaduras latino-americanas, como Venezuela, Cuba, Nicarágua, entre outras questões.
‘Trump anunciou que Claver-Carone vai trabalhar nas questões de imigração e de contrabando de drogas’
Trump anunciou que Claver-Carone vai trabalhar nas questões de imigração e de contrabando de drogas. “Mauricio conhece a região e sabe como colocar os interesses americanos em primeiro lugar”. “Nos últimos quatro anos, o caos e a anarquia tomaram conta de nossas fronteiras. Chegou a hora de restabelecer a ordem em nosso hemisferio”.
Trump acrescentou que “Mauricio conhece bem as graves ameaças que enfrentamos com a imigração ilegal e com fentanil. Como enviado especial do Departamento de Estado, Mauricio trabalhará incansavelmente para proteger o povo americano”. Ao lado de todos esses temas, Mauricio vai fazer o acompanhamento do cenário regional, inclusive com a crescente presença de potências de fora da região, como a China e a Rússia.
‘Trump está replicando a mesma desorganização do seu primeiro mandato’
Ainda não está clara a posição que Claver-Carone vai ocupar no Departamento de Estado. A função de enviado especial para a América Latina, na realidade, não existe, porque essa é a função do assistant secretary for the Western Hemisphere, posto ainda não preenchido. Além dessas funções, há também a de Richard Grenell, que trabalha como assessor para a Venezuela. Em outras palavras, Trump está replicando a mesma desorganização do seu primeiro mandato.
O anúncio por Trump de Mauricio Claver Carone, como diversos outros feitos pelo presidente eleito para a formação de sua equipe de governo, é controverso. Claver-Carone, o primeiro norte-americano a chefiar o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi destituído de sua posição, em 2022, depois de uma investigação em que ficou comprovado que ele teve uma relação íntima com uma servidora do banco, o que ele nega. A investigação também indicou que Claver Carone criou um ambiente hostil no BID. Na presidência, ele tentou reduzir o poder da Argentina e do Brasil para dar mais espaço para os países menores. Claver-Carone trabalhou no primeiro governo Trump (2017-2021) como diretor dos assuntos do Hemisfério Ocidental.
‘Qualquer que seja a composição dos quadros do Departamento de Estado para a América Latina, todos eles vão ter muito trabalho’
De qualquer forma, qualquer que seja a composição dos quadros do Departamento de Estado para a América Latina, todos eles vão ter muito trabalho. Além de Cuba, Venezuela e Nicarágua, os governos de esquerda vão ter de enfrentar medidas restritivas impostas pelo governo nos EUA.
Em função de interesses de segurança nacional, afetados pela imigração desordenada, pelo crescente tráfico de drogas, pelas tarifas a produtos norte-americanos, Trump já manifestou ameaças como retaliação do governo de Washington. A eleição da OEA, em março, será outra questão que deverá estar com prioridade na agenda do Departamento de Estado, pelo seu possível uso como instrumento de pressão regional. A agenda está sobrecarregada e vai ser ainda mais ampliada pelas últimas declarações de Trump.
Três outras questões poderão se transformar em atritos maiores com os EUA: a possível investida de Trump para retomar o controle do Canal do Panamá, a ameaça da Venezuela de ocupar parte do território da Guiana e a reunião do Brics em junho no Brasil.
Do ponto de vista do Brasil, além de todas essas questões que afetarão a política externa, a nova política ambiental dos EUA, com a saída do Acordo de Paris de 2015, poderá ter um impacto negativo sobre os resultados da COP 30.
Por outro lado, a crescente presença da China na região passará a ser incluída na retórica da política externa de Trump, com eventuais consequências para os países que, todos, com exceção da Colômbia, são os primeiros ou segundos parceiros comerciais de Pequim, com o Brasil em uma posição de destaque.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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