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Interesse Nacional
15 setembro 2022

A guerra na Ucrânia: uma situação sem chance de vitória para a esquerda

Presa no dilema entre ficar do lado do imperialismo dos EUA ou tolerar o imperialismo russo, a esquerda precisa ir além da noção de bem contra o mal e mudar seu foco para as questões econômicas na raiz da crise

Presa no dilema entre ficar do lado do imperialismo dos EUA ou tolerar o imperialismo russo, a esquerda precisa ir além da noção de bem contra o mal e mudar seu foco para as questões econômicas na raiz da crise

Manifestantes protestam contra a guerra na Ucrânia (Amaury Laporte/CC)

Por Christopher Powell*

A esquerda política está se debatendo sobre o que dizer sobre a guerra na Ucrânia.

O venezuelano Nicolás Maduro apoia o russo Vladimir Putin, que é seu aliado desde 2018.

Alguns radicais denunciaram os socialistas americanos Alexandria Ocasio-Cortez e Bernie Sanders por apoiarem os Estados Unidos. A Fightback, a seção canadense da Tendência Marxista Internacional, não apoia nem a Ucrânia nem a Rússia, declarando que esta é uma “guerra reacionária de ambos os lados”.

A principal revista da esquerda radical nos Estados Unidos, Jacobin, tenta se dar bem emitindo condenações morais da agressão russa (o equivalente da esquerda a “pensamentos e orações”) enquanto se opõe ao apoio material real à Ucrânia.

O renomado linguista e ativista antiguerra Noam Chomsky está, como sempre, focando nos danos do imperialismo americano e excluindo quase todas as outras considerações.

Enquanto isso, intelectuais ucranianos, socialistas e até anarquistas repreenderam a esquerda norte-americana por sua falta de solidariedade coerente com os ucranianos.

‘Apoiar a ajuda militar à Ucrânia envolve ficar do lado do imperialismo dos EUA, mas opor-se à ajuda militar significa tolerar o imperialismo russo’

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-brasil-pode-ser-um-mediador-na-guerra-entre-russia-e-ucrania/

A razão para esta confusão é simples: apoiar a ajuda militar à Ucrânia envolve ficar do lado do imperialismo dos EUA, mas opor-se à ajuda militar significa tolerar o imperialismo russo e o provável genocídio na Ucrânia.

Muito se fala da necessidade de uma solução diplomática, envolvendo potencialmente a neutralidade ucraniana. Mas a Ucrânia precisa de ajuda externa para se defender militarmente, e a Rússia não tem incentivo para aceitar uma solução diplomática ou honrá-la no futuro.

A esquerda parece estar presa em uma situação sem saída, ideologicamente falando. Não há uma posição moralmente pura a tomar.

Para sair dessa armadilha, a esquerda precisa ir além da noção de bem contra o mal e binários morais semelhantes, enquanto muda seu foco para as questões econômicas na raiz da crise.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/rubens-barbosa-tres-impactos-da-guerra-entre-russia-e-ucrania-para-o-brasil/

A Ucrânia do bem contra a Rússia do mal?

A narrativa dominante da mídia no Ocidente é a de uma heróica Ucrânia e seus aliados lutando virtuosamente contra uma Rússia vilã. Há fatos óbvios que sustentam essa narrativa: a Ucrânia é um país liberal-democrático com um presidente judeu eleito; a Rússia é uma ditadura fascista cometendo uma guerra de agressão e crimes de guerra.

Mas alguns fatos não se encaixam nessa narrativa. A Ucrânia tem um forte movimento fascista, que desempenhou um papel influente em seu antagonismo com a Rússia.

Desde 2015, o governo ucraniano restringiu os direitos de língua russa e também cometeu abusos de direitos humanos em Donbas. Moradores ucranianos negros e pardos sofreram severa discriminação durante esta crise.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/a-invasao-da-ucrania-a-guerra-do-paraguai-e-as-licoes-do-isolamento-de-ditadores-na-tomada-de-decisoes/

Enquanto isso, a cobertura da mídia ocidental sobre a situação da Ucrânia tem sido muito maior e mais simpática do que sua cobertura de países não brancos, e às vezes abertamente racistas, revelando como a Ucrânia se beneficia do privilégio branco nas relações internacionais.

E, claro, os Estados Unidos, o principal aliado da Ucrânia nesta guerra, é a potência imperial mais dominante do mundo, com uma longa história de subversão da democracia, apoio ao autoritarismo e cumplicidade ou genocídio.

O apoio dos EUA à Ucrânia certamente poderia ter mais a ver com sua busca pelo poder geopolítico do que com valores democráticos.

Rússia do bem contra o Ocidente do mal?

Diante desses fatos, é tentador, como alguns fizeram, posicionar a Rússia como meramente se defendendo contra a agressão imperialista dos EUA. Mas essa narrativa também ignora fatos importantes.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/entender-ideologia-e-importante-para-desvendar-a-invasao-da-ucrania-pela-russia/

A Rússia é uma potência regional com sua própria longa história de imperialismo e genocídio, incluindo a supressão deliberada da cultura ucraniana, as fomes artificiais de 1932-33, a limpeza étnica dos tártaros da Crimeia em 1944 e, mais recentemente, crimes de guerra durante a primeira e segunda guerras chechenas.

O governo de Putin negou a existência da Ucrânia como nação e pediu uma violenta “desnazificação” do país no que claramente equivale a um programa de apagamento cultural.

Os ataques russos a civis e à infraestrutura da vida civil têm sido consistentes com o genocídio, conforme definido na convenção de genocídio das Nações Unidas.

Enquanto isso, o próprio governo Putin é abertamente fascista em tudo menos no nome: um estado autoritário liderado por um homem forte hipermasculino, comprometido com uma ideologia que não é apenas ultranacionalista, supremacista e imperialista, mas também profundamente sexista, homofóbica e transfóbica.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-conflito-russia-ucrania-trara-o-renascimento-dos-nao-alinhados/

Por essas qualidades, Putin é admirado pela extrema-direita global. Uma vitória de Putin na Ucrânia provavelmente fortaleceria os movimentos fascistas em todo o mundo.

Do bem contra o mal para uma mudança de sistema

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Ucrânia tornou-se um campo de batalha entre duas potências genocidas. Os ucranianos enfrentaram dilemas impossíveis, fizeram escolhas moralmente comprometidas e sofreram horrivelmente. Hoje essa situação se repete.

No momento, os socialistas ocidentais estão lutando para articular uma posição sobre a guerra na Ucrânia que se oponha tanto ao fascismo quanto ao liberalismo. Isso é realmente difícil. A oposição ao imperialismo, neste caso, requer apoio militar e econômico para a Ucrânia, mesmo que venha dos EUA. Mas essa também é a posição liberal.

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O que mais os socialistas podem trazer para a mesa?

Socialistas ucranianos e russos enfatizam a necessidade de medidas econômicas, incluindo apoio humanitário aos refugiados e cancelamento da dívida externa da Ucrânia.

Fora da Ucrânia, a guerra já está causando impactos econômicos globais e provavelmente exacerbará a desigualdade econômica. Assim como a pandemia de Covid-19 e a maioria dos outros desastres, essa crise causa dor aos trabalhadores, enquanto as corporações encontram maneiras de lucrar.

A desigualdade econômica também é a raiz da guerra, a condição para a ascensão de Putin ao poder e o combustível para a extrema direita em geral.

Acabar com o fascismo e o imperialismo para sempre exigirá a construção de um sistema mais equitativo para substituir o capitalismo. Fazer isso exigirá a construção de redes globais de solidariedade entre os trabalhadores. E fazer isso requer sair das narrativas do bem contra o mal, neste caso, reconhecendo por que os ucranianos realmente querem apoio ocidental –e por que eles deveriam recebê-lo.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/de-trump-a-putin-por-que-as-pessoas-sao-atraidas-por-tiranos/

*Christopher Powell é professor de sociologia na Toronto Metropolitan University


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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Tags:

Diplomacia 🞌 Direitos Humanos 🞌 Política 🞌 Ucrânia 🞌

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