07 novembro 2024

A importância da atuação africana no G20

A União Africana participa de encontro das maiores economias do mundo pela primeira vez, passando a dar voz e representatividade para 96% da população africana que antes não tinha espaço no fórum multilateral

Imagem desenvolvida por inteligência artificial para representar o vibrante continente africano (Foto: ChatGPT)

Neste mês de novembro acontece no Rio de Janeiro o encontro do G20, grupo formado pelos representantes das 19 maiores economias do mundo e a União Europeia. Como novidade para este ano, a União Africana (UA) atuará pela primeira vez como membro permanente, representando 17,5% da população mundial (2023), com uma projeção significativa de crescimento rápido da sua área urbana

Com a presidência do G20 representada pelos países do Sul Global por quatro anos consecutivos – Indonésia, em 2022; a Índia, em 2023; o Brasil, em 2024; e a África do Sul, em 2025 –, houve a possibilidade de continuidade entre as agendas e a defesa da entrada da UA no bloco, em 2023, durante a reunião na Índia. 

‘Antes da entrada da UA no G20, 96% da população africana não estava representada no grupo’

Antes da sua entrada, somente a África do Sul tinha assento, ou seja, 96% da população africana não estava representada no G20. A partir da participação de 55 países por meio da UA, há a possibilidade de “[…] pressionar por uma maior equidade substantiva nas mudanças climáticas e nas políticas econômicas globais”. A partir disso, qual é a importância da atuação africana no G20 agora em novembro, no Rio de Janeiro? Por que devemos estar atentos?

A UA, em seu encontro anual, buscou desenvolver a sua agenda para o G20 pautando como prioridade de tema “Capacitar o Africano para o Século XXI: Construir sistemas de educação resilientes para aumentar o acesso a uma aprendizagem inclusiva, ao longo da vida, de qualidade e relevante em África”. 

‘Assumir este espaço multilateral é importante para uma maior agência dos países africanos’

Há o reconhecimento do desafio de coesão interna entre os membros da UA, mas assumir este espaço multilateral é importante para uma maior agência dos países africanos.

Já a África do Sul, com o tema “Solidariedade, Igualdade e Desenvolvimento Sustentável”, assumirá a presidência do G20 em 1º de dezembro de 2024. 

Para o Diretor-Geral de Relações Internacionais e Cooperação, Zane Dangor, “a ideia de fortalecer a voz do Sul será muito crítica”, além de enfatizar “o comprometimento da África do Sul em priorizar o desenvolvimento e a igualdade da África durante sua Presidência do G20”. 

O vice-presidente da África do Sul, Shipokosa Paulus Mashatile, aponta que o país pretende “colocar o desenvolvimento da África no topo da agenda”. Dentro da temática ampla da presidência sul-africana no G20, alguns dos temas prioritários serão:

  • Promover as prioridades da ‘Agenda 2063: A África que Queremos’ em conjunto com a UA;
  • garantir que o G20 permaneça sensível às necessidades das economias em desenvolvimento da África e do Sul Global;
  • proporcionar uma oportunidade para trazer à tona as necessidades, aspirações e ambições dos países em desenvolvimento a partir da discussão sobre a reforma da governança global;
  • necessidade de solidariedade global para abordar questões como a crescente desigualdade, o aumento da fome, o aumento da pobreza extrema, a atual crise econômica, climática e energética global, a crise da dívida enfrentada pelos países em desenvolvimento e os fluxos financeiros ilícitos;
  • alavancar sua presidência para avançar a agenda de reforma global, particularmente a transformação da arquitetura financeira global e a reforma do Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial/Bancos Multilaterais de Desenvolvimento.

Além das contribuições particulares da África do Sul e da UA, é possível ver três contribuições gerais importantes da atuação africana no âmbito do G20:

Expansão de vozes africanas em espaços multilaterais 

Enquanto no G20 não havia uma representatividade africana significativa, outros espaços multilaterais estão alargando sua membresia, como é o caso do Brics+. 

Além da África do Sul como membro fundador, o Egito e a Etiópia foram incorporados ao grupo. No dia 23 de outubro deste ano, foi aprovada a entrada de 13 novos integrantes do bloco, com o status de países-parceiros. Argélia, Uganda e Nigéria estão entre eles, completando seis países africanos no bloco. 

Com isso, o Brics+ é um dos blocos que pressiona o G20 a reinventar seu espaço democrática nas dinâmicas internacionais. 

Maior voz do Sul Global em temas prioritários 

É possível observar um alinhamento entre os parceiros do Brics – presidências da Índia, do Brasil e da África do Sul – e do Sul Global no geral (presidência da Indonésia) no G20. Como exemplos, temos o apoio do Brasil à presidência da Índia, o que contribuiu para a entrada da UA como membro permanente, além do diálogo entre o Brasil e a África do Sul para alinhamento entre as agendas. 

Com isso, é possível dar prioridade aos temas relevantes para o Sul Global, como a reforma da arquitetura financeira internacional, mudanças climáticas e desigualdades.

De receptor a tomador de decisões 

Em reuniões do G20, houve iniciativas/projetos voltados para a África, mas até que ponto existia a priorização das necessidades do continente com apenas um membro permanente africano? 

Como Dersso e Mehari afirmaram, “sem uma voz na mesa, a África” permaneceu “como um receptor passivo em vez de um contribuidor ativo nas discussões que moldam seu destino econômico”. 

A partir de uma participação plena, os atores africanos podem instrumentalizar sua voz para contestar uma continuidade da colonialidade do poder, a qual exerce a manutenção da maquinaria capitalista em prol dos ideais e necessidades do Norte Global.

Como abordado no minha última coluna, a presidência brasileira tem focado no combate à fome, com o lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza; nas discussões sobre as mudanças climáticas, um tema transversal nas forças tarefas; e a observação da importância de uma Força-Tarefa especial para abordar a desigualdade. A partir dos discursos sul-africanos, o que tudo indica é uma continuação das agendas pela presidência sul-africana em diversos temas.

No entanto, há alguns pontos que a África do Sul pode fazer diferente. É importante ressaltar a necessidade de abordar amplamente temas tratados, essencialmente, de forma transversal, como a desigualdade, questão racial e demais opressões interseccionais vividas diariamente pelas sociedades do Sul Global. 

Além disso, há uma necessidade de inclusão da sociedade civil para além das instituições que participam dos grupos de trabalho do G20, possibilitando maiores debates de temas internacionais que impactam domesticamente. 

Por fim, esperemos pelas cenas dos próximos capítulos com as reuniões do G20 Brasil para observar a atuação da África do Sul e da UA em conjunto com os demais países do Sul Global.

Camila Andrade é colunista da Interesse Nacional, pesquisadora do Pan-African Thought and Conversation (IPATC), na Universidade de Joanesburgo, e do pós-doutorado na UFPB. Doutora em ciência política pela UFRGS e pesquisadora do Grupo Áfricas: sociedade, política e cultura. É também mestre em relações internacionais pela UFSC. Suas principais linhas de pesquisa são estudos africanos e do Sul Global, Ruanda e feminismos negros. É criadora do @camilaafrika, uma comunidade de democratização dos Estudos Africanos.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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