A nova doutrina nuclear da Rússia
Decisão de Putin de baixar o patamar a partir do qual o governo estará autorizado a utilizar armas nucleares contra seus inimigos representa uma escalada perigosa no já instável e inseguro cenário internacional
O governo russo decidiu modificar sua doutrina nuclear em função dos novos desdobramentos da guerra na Ucrânia, em especial pela insistência do presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy junto ao governo dos EUA para ser concedida autorização para o uso de mísseis norte-americanos de longo alcance em território russo, sem qualquer limitação como ocorre hoje.
Até aqui, a política nuclear de Putin, adotada pelo Conselho de Segurança russo em 2020, antes da invasão na Ucrânia, previa a utilização de armas nucleares em resposta a um ataque convencional externo que viesse a colocar em risco a própria existência do Estado russo.
A nova versão da doutrina nuclear russa prevê três hipóteses:
- agressão realizada por um Estado inimigo não nuclear, mas apoiado por aliados nucleares,
- obtenção de informações de um ataque com armas aéreas e especiais, combinado com a violação da fronteira russa, e
- ataque de armas convencionais às repúblicas da Rússia e de Belarus, que implique ameaça à soberania de ambas.
Os países da Otan acompanham com preocupação a gravidade desse novo cenário, apesar de que é certo que os ataques ucranianos à Crimeia, em Sebastopol, com mísseis britânicos Storm Shadow, só poderiam ter ocorrido com a aprovação da Aliança Atlântica. A Alemanha, por exemplo, reluta em ceder à Ucrânia mísseis de longo alcance (Taurus).
O governo de Washington mantém cautela e não autorizou até aqui o uso de mísseis de longo alcance em território russo em função do temor de uma escalada na guerra na Ucrânia, e não é de se descartar que conversas sigilosas estejam em curso entre os dois países sobre o assunto.
Em vista disso, no tocante à guerra na Ucrânia, é possível prever a intensificação de ataque ucranianos à Rússia com drones e mísseis, visto que Kiev expande rapidamente a capacidade de produção desses artefatos militares e, do lado russo, a multiplicação de represálias seletivas contra países da Otan e o envio de armas sofisticadas para grupos hostis ao Ocidente, como os Houtis.
Resta saber até que ponto a nova doutrina russa deve ser encarada seriamente. De qualquer forma, a decisão de Putin de baixar o chamado limiar de nuclearização, isto é, o patamar a partir do qual o governo estará autorizado a utilizar armas nucleares contra seus inimigos, representa uma escalada perigosa no já instável e inseguro cenário internacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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