07 março 2025

Acordo comercial entre Estados Unidos e Argentina?

Aproximação entre Javier Milei e Donald Trump alimentou a ideia de uma parceria para o livre comércio entre os dois países, o que é vetado pelo Mercosul e cria um desafio para o bloco sul-americano. Ainda que seja uma negociação difícil de avançar, o Brasil precisa estar preparado para uma ruptura no grupo

JAvier Milei e Donald Trump durante reunião na Casa Branca (Foto: White House/X)

Perguntado por uma repórter argentina em entrevista na Casa Branca no início da semana, o presidente Donald Trump disse, sem entrar em detalhes adicionais, que está aberto à possibilidade de negociar um acordo de livre comércio com Javier Milei, que chamou de grande líder. 

Trump e Milei se reuniram em Washington na semana passada durante convenção conservadora, na qual ambos discusaram. O acordo seria um resultado concreto do alinhamento automático do presidente argentino com o norte-americano.

‘Milei já havia feito referência ao interesse argentino em negociar um acordo com os EUA, observando que deixaria o bloco, se isso for condição’

Milei já havia feito referência ao interesse argentino em negociar um acordo com os EUA em janeiro em Davos e em reunião inicial do Mercosul (presidido, neste semestre, pela Argentina), observando que deixaria o bloco, se isso for condição para associar-se aos EUA. 

“É necessário abrir o Mercosul à possibilidade de negociações independentes”, observou. Na semana passada, em pronunciamento na abertura do parlamento em Buenos Aires, acrescentou que “a única coisa que o Mercosul conseguiu desde a sua criação foi enriquecer os grandes industriais brasileiros à custa do empobrecimento dos argentinos”. Para sair do Mercosul, Milei precisa da aprovação do Congresso, o que hoje parece difícil de acontecer. 

Pelas regras do Mercosul (artigo 1), os países membros devem negociar conjuntamente acordos comerciais com outro país ou bloco, um membro do bloco não pode negociar isoladamente um acordo de livre comércio com terceiro país. Nos últimos anos, iniciativa semelhante foi mencionada pelo Uruguai pelo interesse em negociar um acordo comercial com a China. Agora Milei repete a questão. 

‘A negociação isolada quebraria um dos pilares do Mercosul, que é a tarifa externa comum em relação a terceiros países’

A negociação isolada quebraria um dos pilares do Mercosul, que é a tarifa externa comum em relação a terceiros países. 

No caso do início das negociações com os EUA, há três alternativas: 

  • (a) os outros três países acompanham a Argentina nos entendimentos; 
  • (b) se não quiserem ou a Argentina preferir negociar sozinha, Milei terá de retirar seu país do Mercosul, e o Brasil poderá impor restrições às exportações argentinas; 
  • (c) transformar a união aduaneira em uma área de livre comércio. 

No caso do acordo do Mercosul com a União Europeia, já concluído, mas aguardando a luz verde da Europa para sua assinatura e ratificação ainda este ano, a Argentina continuaria a participar, visto que, se iniciada, a negociação com os EUA se estenderia ao longo do corrente ano.

‘A possibilidade da negociação de um acordo comercial entre a Argentina e os EUA é o maior desafio do Mercosul nos seus quase 35 anos de existência’

A possibilidade da negociação de um acordo comercial entre a Argentina e os EUA é o maior desafio do Mercosul nos seus quase 35 anos de existência. Nos últimos anos, o Mercosul ficou praticamente estagnado, tanto no tocante a seus mecanismos internos, quanto na sua inserção externa. 

Mais recentemente, foram retomadas as negociações com terceiros países, tendo sido assinado acordo com Singapura e concluídas as negociações com a União Europeia e a Área de Livre Comércio da Europa (EFTA). Foram iniciadas conversas com a Indonésia, com o Vietnã e mais recentemente com o México, Canadá e Japão.

‘Dificilmente a ideia da negociação de acordo comercial com os EUA deverá avançar, pois não está nas prioridades de Trump’

Dificilmente a ideia da negociação de acordo comercial com os EUA deverá avançar. O Assessor Especial de Trump para a América Latina, Mauricio Clever Carone, minimizou essa possibilidade. Hoje, esse acordo não está nas prioridades de Trump, mas com a incerteza de tudo o que ocorre na Casa Branca atualmente, não se pode descartar totalmente essa possibilidade, em um contexto em que considerações ideológicas venham a prevalecer com medidas indiretas que possam afetar interesses de países governados pela esquerda. 

Assim, o governo brasileiro deveria preparar-se para o cenário mais negativo e examinar alternativas de ação para a eventualidade de o acordo com a Argentina avançar e Buenos Aires decidir retirar-se do Mercosul ou para avaliar o interesse brasileiro em se juntar à negociação ou transformar a união aduaneira em área de livre comércio, o que, no governo Lula, será difícil de acontecer. 

No segundo semestre, sob a presidência do Brasil, importantes decisões deverão ser tomadas para preservar o Mercosul.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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