31 outubro 2025

As negociações do Brasil com os EUA

Do lado brasileiro, prevalece a ideologia, enquanto do lado norte-americano, estão, em primeiro lugar, os interesses estratégicos do governo e comerciais dos empresários

Luiz Inácio Lula da Silva durante encontro com Donald Trump na 47ª Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático – ASEAN em Kuala Lampur, Malásia (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Depois de dez meses da posse de Donald Trump como presidente dos EUA, o governo brasileiro sentou-se para negociar as restrições tarifárias com o presidente norte-americano.

Deve-se notar que a iniciativa do encontro foi de Trump, assim como de Marco Rubio, para marcar a primeira reunião oficial com o chanceler Mauro Vieira. Do lado brasileiro, prevalece a ideologia, enquanto do lado norte-americano, estão, em primeiro lugar, os interesses estratégicos do governo e comerciais dos empresários.

Pragmatismo puro, em contraste com as posições do governo Lula.

‘O governo brasileiro, que capitalizou com a defesa da soberania, agora explora o clima positivo da reunião e as perspectivas favoráveis de negociação de rebaixa tarifária’

O governo brasileiro, que capitalizou com a defesa da soberania, agora explora o clima positivo da reunião e as perspectivas favoráveis de negociação de rebaixa tarifária. Enquanto isso, indagado sobre as negociações, Trump disse que não sabia o que iria acontecer… E o Senado norte-americano decidiu que a base jurídica para a aplicação das tarifas contra o Brasil é ilegal. A decisão, porém, é simbólica e não terá efeito prático, pois a Câmara de Representantes não aprovará a decisão do Senado.

No momento do encontro presidencial na Malásia, Trump estava mais preocupado com os entendimentos com a China, na busca de uma flexibilização das restrições sobre a exportação de terras raras e da compra de soja. Sem falar das preocupações com a guerra da Ucrânia, com as conversas com Putin e com as ações para conter o premiê de Israel e evitar a retomada das hostilidades em Gaza.

A agenda brasileira para as negociações já é do conhecimento dos negociadores norte-americanos em função do documento com todas as reivindicações entregue por Lula ao presidente Trump.

Redução dos 40% de tarifas (e sua suspensão enquanto houver a negociação), inclusão de carne e café na lista de exceção, negociação com as Big Techs e o fim das sanções politicas a membros do governo lulista e a ministros do STF são as prioridades de Lula.

‘O jogo ainda não está ganho…’

Serão importantes também para o avanço das negociações as respostas do Brasil as demandas norte-americanas, sobretudo, no tocante aos minérios estratégicos e as Big Tech. Nem Trump, nem os secretários que o acompanharam fizeram qualquer menção às reivindicações do governo brasileiro. O jogo ainda não está ganho…

A mistura das questões comerciais com as questões políticas pode não ter sido uma boa ideia. É de conhecimento generalizado que o Marco Rubio tem uma agenda muito forte contra os governos de esquerda na América Latina, e o Brasil não é exceção.

Como o governo de Washington separa as questões comerciais das politicas, não será surpresa que, em algum momento, novas sanções sejam anunciadas contra ministros do STF. Como o governo brasileiro vai reagir? Rompendo as negociações comerciais, em prejuízo das empresas brasileiras, do agro e da indústria?

‘Lula ofereceu os bons ofícios do Brasil para mediar a crise dos EUA com a Venezuela, aparentemente sem entender o que está acontecendo’

Além dessa questão de politica interna, de duvidosa prioridade para as negociações comerciais, Lula ofereceu os bons ofícios do Brasil para mediar a crise dos EUA com a Venezuela, aparentemente sem entender o que está acontecendo.

Trump deslocou uma força naval considerável para o Caribe com a desculpa de combater o tráfico de drogas, acusando Nicolás Maduro e o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, de serem líderes dessas organizações criminosas.

O governo brasileiro ignorou as circunstâncias em que toda a ação de Washington se desenrola: mostra de força dos EUA para seu público interno e recado a China e a Rússia para não reagirem a mudança de regime pois lá estão o mais potente porta aviões do mundo e quase dez outras embarcações de guerra.

Na realidade, tudo indica (Trump declarou publicamente que o próximo passo será um ataque ao território venezuelano), que, além da atacar focos de produção de drogas na Venezuela, o verdadeiro objetivo é a deposição de Maduro com a ajuda de parte das lideranças militares venezuelanas. Puro “regime change”.

‘O oferecimento brasileiro foi interpretado no Departamento de Estado como uma forma de aliviar a pressão sobre Maduro.’

Por tudo isso, Trump também não reagiu à oferta brasileira, que talvez nem tenha resposta. O oferecimento brasileiro foi interpretado no Departamento de Estado como uma forma de aliviar a pressão sobre Maduro.

O que esta acontecendo com a Venezuela e com a Colômbia mostra o desenvolvimento prático da Doutrina Monroe atualizada. A América Latina poderá se tornar uma zona de influência norte-americana, como a Asia, de influência da China.

Marco Rubio declarou publicamente que, a médio prazo, o Brasil teria mais a ganhar se tivesse uma relação econômica e comercial mais forte com os EUA do que tem hoje com a China e que os EUA querem ser os parceiros comerciais preferenciais, em detrimento da China. Vamos ver o que vai ser negociado com o Brasil no tocante aos minérios estratégicos. Rubio já deu a pista sobre a nova geopolíticas de Washington.

‘Lula afirmou que não há mais lugar para outra guerra fria e que o Brasil não quer estar alinhado com os EUA ou com a China. Essa é a melhor postura do governo brasileiro’

O presidente Lula em uma de suas muitas declarações afirmou que não há mais lugar para outra guerra fria e que o Brasil não quer estar alinhado com os EUA ou com a China, quer colaborar com todos os paises.

Essa é a melhor postura do governo brasileiro nesse mundo em transformação.

O Brasil é um pais ocidental, mas nos últimos 15 anos o eixo da politica comercial moveu-se para a Ásia. 50% do comércio exterior brasileiro hoje vai para o mercado asiático. Será muito difícil mudar essa dependência, especialmente com a China, o principal parceiro comercial do Brasil, mesmo no médio prazo, como quer Marco Rubio.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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