Brasil foi referência para a resolução sobre participação social na Assembleia Mundial de Saúde
Por Helena de Moraes Achcar* A 77ª Assembleia Mundial de Saúde aprovou, por unanimidade, no último dia 29 de maio, em Genebra (Suíça), uma resolução que visa fortalecer, apoiar e implementar a participação social em políticas de saúde e em todos os processos referentes ao sistema de saúde em âmbito mundial. A resolução permite a […]
A 77ª Assembleia Mundial de Saúde aprovou, por unanimidade, no último dia 29 de maio, em Genebra (Suíça), uma resolução que visa fortalecer, apoiar e implementar a participação social em políticas de saúde e em todos os processos referentes ao sistema de saúde em âmbito mundial.
A resolução permite a criação de “um ambiente seguro e propício à participação para a cobertura universal de saúde, respeitando os princípios de igualdade, equidade e não discriminação”.
Pelo seu histórico em participação social em políticas públicas, especificamente no Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil foi uma das referências para o documento da Organização Mundial de Saúde.
A participação da sociedade civil em políticas de saúde é garantida pela Constituição Federal de 1988, mais especificamente pelo artigo 198, que estabelece a “participação da comunidade” como um dos princípios organizativos do SUS. Desde 1990, existem conselhos e conferências de saúde nos âmbitos federal, estadual e municipal. Por se tratar de uma das maiores conquistas de nossa democracia, vale a pena retomar, brevemente, essa história.
Nos anos 1980, quando o Brasil ainda passava pelo processo de redemocratização, movimentos sociais, principalmente o movimento sanitarista e o movimento de AIDS (este fortemente influenciado pelos sanitaristas) lutavam por um sistema de saúde que desse acesso universal à saúde, inclusive o acesso universal ao tratamento e prevenção de HIV/AIDS.
O movimento sanitarista e o movimento de HIV/AIDS foram fundamentais na construção do SUS como um sistema pautado pelo princípio da participação social. O primeiro surgiu nas décadas de 1950 e 1960, e foi composto por médicos, professores universitários, pesquisadores, Igreja Católica, estudantes e profissionais de saúde de um modo geral. O segundo surgiu nos anos 1980, composto principalmente por organizações não governamentais e pessoas vivendo com HIV/AIDS, entre elas figuras políticas importantes, como o ex exilado político Herbert de Souza, o Betinho.
Talvez a maior conquista da sociedade civil nestes últimos 35 anos tenha sido o acesso universal aos antiretrovirais no tratamento do HIV/AIDS, regulamentado pela lei 9.313 de 1996. Mas para além do acesso universal, a sociedade civil organizada alcançou muitos outros êxitos.
Merece destaque, novamente, o movimento social de AIDS. A luta contra a AIDS se deu em diversas frentes, entre elas no combate à discriminação e ao estigma, nas campanhas de prevenção, na briga pelos direitos de pessoas vivendo com HIV/AIDS, e na pressão pelo licenciamento compulsório do efavirenz, para que o Brasil pudesse produzir o antiretroviral a preços acessíveis ao sistema público.
O movimento de AIDS ocupou conselhos (como o Conselho Nacional de Saúde) e exigiu o estabelecimento de outras esferas de participação, como a Comissão Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais (CNAIDS) e a Comissão de Articulação com os Movimentos Sociais (CAMS), ambas de caráter consultivo na formulação de políticas de enfrentamento das IST, HIV/AIDS e hepatites virais.
De modo geral, desde a redemocratização, a sociedade civil tem participado da elaboração, implementação e monitoramento de políticas de saúde. No entanto, os espaços de participação social nem sempre estão dados, ou seja, não são conquistas permanentes. Prova disso foi o último governo do presidente Bolsonaro, que extinguiu a CNAIDS e a CAMS, diminuindo os espaços democráticos de participação social.
Projeto recente desenvolvido por pesquisadores e organizações da sociedade civil pioneiros na luta contra a AIDS reafirma a importância da gestão participativa que articule “as próprias comunidades afetadas, ativistas, especialistas, gestores e pesquisadores na construção, desenvolvimento e controle das respostas político-institucionais ante a aids”.
Por fim, a luta pela participação social não é apenas uma luta pela conquista de espaços institucionais, mas uma luta pela própria qualidade da participação de uma sociedade civil articulada, organizada e politizada para que transformações estruturais que promovam equidade e combate à desigualdade sejam possíveis.
Neste sentido, a recente resolução da Assembleia Mundial de Saúde endossa e reconhece a participação social como um direito de sociedades democráticas que visam o fortalecimento de suas instituições e políticas de saúde.
*Helena de Moraes Achcar é pesquisadora de pós-doutorado na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP)
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Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br
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