12 dezembro 2022

Crise política peruana chega ao ápice e culmina com deposição de Pedro Castillo

A tentativa malfadada do presidente de dissolver o Congresso impõe desafios urgentes para um país que desde 2016 enfrenta instabilidade e crises entre governo e oposição e disputas entre os poderes executivo e legislativo

A tentativa malfadada do presidente de dissolver o Congresso impõe desafios urgentes para um país que desde 2016 enfrenta instabilidade e crises entre governo e oposição e disputas entre os poderes executivo e legislativo

Pedro Castillo, presidente do Peru destituído e preso após tentar dissolver o Congresso (Foto: Presidência do Peru)

Por Ghaio Nicodemos Barbosa*

Na última quarta-feira, 7 de dezembro de 2022, a população peruana acompanhou uma nova crise política e institucional, que colabora em acirrar os ânimos de um país já bastante dividido. A tentativa malfadada de Pedro Castillo para dissolver o Congresso, e com isso bloquear a votação da moção de vacância que estava prevista para o mesmo dia, impõe desafios urgentes para um país que, desde 2016, enfrenta instabilidade e crises entre governo e oposição e disputas entre os poderes executivo e legislativo.

Com a deposição de Castillo, o Peru passa para sua sétima mudança de mandatário desde 2016, quando ocorreu a eleição de Pedro Paulo Kuczynski, conhecido popularmente como PPK. Pedro Castillo se soma aos antecessores Kuczynski e Martín Vizcarra, vice-presidente e sucessor de PPK, que lidaram com moções de vacância e dificuldade de estabelecer governabilidade e estabilidade. Desde 2017, quando o Congresso peruano apresentou a primeira moção de vacância contra PPK, foram sete moções de vacância movidas no país contra presidentes incumbentes (NASCIMENTO, 2022).

A crise atual resulta tanto de debilidades do ex-presidente em estabelecer um governo funcional quanto em manter o apoio popular que auferiu nas urnas em 2021. Uma sucessiva erosão do ambiente político peruano ao longo da última década colaborou para que o país repetisse com Castillo o que ocorreu com PPK. Buscamos reunir subsídios para entender a atual crise política peruana à luz de seus antecedentes e ao fim apresentar algumas possíveis perspectivas para o novo governo.

Antecedentes

A presente crise é mais um capítulo na história recente do Peru, que se enraíza na Operação Lava Jato peruana, que investigou mais de 800 pessoas por corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da justiça e encobrimento de provas. Todos os presidentes peruanos eleitos entre 2001 e 2016 foram indiciados por corrupção no âmbito desta operação: Alejandro Toledo (2001-2006), Alan García (2007-2011; que também governou entre 1985-1990), Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Paulo Kuczynsky (2016-2018). A principal liderança da oposição fujimorista, Keiko Fujimori, e segunda colocada nas eleições de 2011, 2016 e 2021, também foi arrolada na investigação e segue investigada, sob liberdade condicional (NASCIMENTO, 2022).

Outro antecedente, menos recente, mas que ainda impacta a cultura política peruana são os anos do governo de Alberto Fujimori, eleito em 1990, que através de um autogolpe, em 1992 permanece no poder até 2000, quando foge do país sob investigação de corrupção. Alberto Fujimori, que é pai de Keiko Fujimori, se exilou no Japão até 2005, quando viaja para Santiago (Chile) e é detido por autoridades locais, permanecendo no país sob liberdade condicional por dois anos. Fujimori foi extraditado para o Peru, em 2007, e condenado em 2009 por corrupção e por graves violações de direitos humanos durante seu governo.

O governo Castillo na corda bamba

Eleito em 6 de junho de 2021, com uma diferença bastante apertada para a segunda colocada, Keiko Fujimori, Pedro Castillo foi empossado presidente no fim de julho do mesmo ano. Em uma eleição em que o voto contra o fujimorismo beneficiou o primeiro colocado e o voto contra a esquerda fortaleceu a segunda colocada, o país saiu do pleito reforçando a divisão política já observada nas disputas de 2011 e 2016, onde os resultados eleitorais foram resolvidos por margens bastantes estreitas.

Com dificuldades para estabelecer uma agenda econômica viável e por uma oposição organizada no Congresso através dos partidos Fuerza Popular, Renovación Nacional e Avanza País, que comandam importantes comissões do legislativo peruano, Castillo viu sua capacidade de aprovar medidas limitada. A bancada oposicionista, no entanto, levou tempo para reunir o apoio necessário para destituir Castillo, o que colaborou para uma paralisia institucional tanto no campo doméstico quanto no campo internacional. Em 16 meses de governo foram efetuadas cerca de 80 nomeações de ministros, entre renúncias e reformulações de gabinete.

Em dezembro de 2021, com menos de seis meses de governo, Castillo enfrenta sua primeira moção de vacância, que acusava o presidente por mais de 20 irregularidades, que subsidiariam a tese de “incapacidade moral”. Esta, no entanto, por falta de apoio necessário, não foi votada no plenário do Congresso e acabou arquivada. Nova moção, desta vez com apoio de 55 parlamentares, foi votada em março de 2022.

A situação de Castillo se agravou com a apresentação de denúncia formal pela Procuradoria Geral da República, no início de agosto de 2022, quando o presidente e familiares foram indiciados por formação de organização criminosa e o palácio do governo foi visitado por policiais e procuradores para prender Yennifer Paredes, cunhada do presidente. Com o andamento das investigações, o Congresso peruano deixou de conceder autorização para que o presidente efetuasse viagens internacionais, sob a alegação de risco de fuga.

Sem opções, o governo peruano recorreu a Organização dos Estados Americanos para mediar a questão e aplicar os artigos 17 e 18 da Carta Democrática, solicitação atendida em outubro, com a constituição de uma comissão para averiguar a situação do país e tentar mediar o diálogo institucional entre o Executivo e o Legislativo. A Comissão iniciou sua averiguação em novembro sem no entanto ter tido tempo para auxiliar na questão.

Tentativa de dissolução do Congresso e vacância por impedimento moral

Em 7 de dezembro, Castillo anunciou a dissolução do Congresso e medidas complementares que permitiriam sua governabilidade até a realização de eleições legislativas que reconstituiriam o plenário. A medida, constitucional, só seria permitida ao presidente no caso de o Congresso negar ou censurar duas moções de confiança do presidente. A medida já havia sido adotada por Martín Vizcarra em 2019, ocasião em que o Congresso ignorou o presidente e tentou, sem sucesso, afastá-lo do cargo.

Outras medidas enunciadas por Pedro Castillo, que interferiam na independência do judiciário e toque de recolher ostensivo, favoreceram aos legisladores opositores reunir legitimidade e apoio para votar a vacância da presidência, à revelia da decisão do presidente tomada horas antes. Desta vez, a moção de vacância, apresentada em novembro com a assinatura de 67 parlamentares, contou com 101 dos 87 votos necessários para a deposição presidencial. Ministros e representantes diplomáticos do Peru entregaram seus postos contra a decisão de Castillo, considerada autoritária e entendida como um autogolpe.

Após a moção, Castillo foi denunciado criminalmente por prática de sedição, abuso de autoridade e perturbação da ordem pública e preso preventivamente. Ele é o terceiro presidente peruano impedido pelo Congresso nos últimos seis anos. Pedro Paulo Kuczynski, eleito em 2016, enfrentou dois processos de impedimento, renunciando ao cargo, e Martín Vizcarra, vice-presidente, que assumiu em 2018, também enfrentou duas moções, sendo destituído na segunda tentativa.

A vice-presidente, Dina Boluarte, tomou posse no mesmo dia, logo após a votação da moção de vacância ser aprovada pelo Congresso.

Repercussões no Brasil e na América Latina

A decisão de Castillo dissolver o Congresso foi recebida por diversos governos latino-americanos de formas distintas. No Brasil, tanto o presidente incumbente, Jair Bolsonaro, quanto o futuro presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, respeitaram o rito de destituição de Pedro Castillo como legal e em consonância com a democracia peruana. Alberto Fernández, presidente argentino, se comprometeu a trabalhar com a nova presidente do Peru, mas evitou tocar em temas relacionados ao presidente destituído.

O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, é um dos aliados mais assertivos de Castillo, indicando a possibilidade de asilo político no México. O governante mexicano havia programado viagem para entregar a presidência da Aliança do Pacífico para Castillo. O ex-presidente peruano também conta com apoio do presidente boliviano Luis Arce e do ex-presidente Evo Morales, que definiram o incidente como mobilização de forças antidemocráticas contra governos progressistas em um contexto internacional de guerra híbrida.

Outras lideranças, como o chileno Gabriel Boric e o equatoriano Guillermo Lasso não marcaram posição sobre o incidente. O presidente equatoriano inclusive convive com problemas de governabilidade similares, e meses atrás tensionou com o Congresso de forma similar, mas não levando a cabo a dissolução congressual. O colombiano Gustavo Petro, reconheceu que as escolhas de Castillo foram equivocadas, mas destacou que o presidente peruano estava encurralado.

Novos horizontes ou uma nova crise?

A prisão recente de Castillo fez com que o Peru tenha todos os seus presidentes eleitos desde 1985 ou presos ou investigados por crimes relacionados ao exercício do cargo. A nova presidente, Dina Boluarte, tem o desafio de formar um governo capaz de governar em meio as disputas com o Congresso. A recém-empossada atualmente não é vinculada a nenhum partido, desde que foi expulsa do Perú Libre, em janeiro deste ano sob alegações de não estar alinhada aos princípios partidários. A decisão foi uma retaliação a entrevista dada por ela no mesmo mês indicando não acreditar nas mesmas pautas do partido. A nova presidente não é a primeira incumbente sem partido, e Martín Vizcarra conseguiu se manter no cargo por cerca de três anos em situação similar, algo que possibilitou articular com as lideranças dos principais partidos com maior flexibilidade e definir políticas sensíveis durante a pandemia da Covid-19.

Entretanto, poucos dias antes de ser empossada, Boluarte já enfrentava sua própria crise política. Enquanto vice-presidente, a atual mandatária do Peru acumulava a liderança do Ministério de Desenvolvimento e Inclusão Social, incumbente desde a posse de Pedro Castillo. Ela renunciou ao ministério em 25 de novembro deste ano, enquanto enfrentou acusações no Congresso, na Subcomissão de Acusações Constitucionais, por operar um clube privado durante o exercício de suas funções públicas. A acusação foi arquivada em 5 de dezembro, dois dias antes da votação da vacância de Castillo, em virtude da mesma e por preocupação com a linha sucessória (GESTIÓN, 2022).


*Ghaio Nicodemos Barbosa é pesquisador do Observatório Político Sul-americano e do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa, grupos de pesquisa vinculados ao IESP/UERJ


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional


Referências

CONJUNTURA LATITUDE SUL. OEA aprova aplicação da Carta Democrática Interamericana no Peru. Conjuntura Latitude Sul, Vol. 06, N.10, Outubro, 2022. Disponível em: http://opsa.com.br/wp-content/uploads/2022/11/ConjunturaLATSUL_Outubro2022.pdf. Acesso em 09/12/2022.

NASCIMENTO, Jefferson. O Governo de Pedro Castillo em meio às crises cíclicas no Peru. Boletim OPSA, • N. 3, Jul./Set., 2022. Disponível em: http://opsa.com.br/wp-content/uploads/2022/11/Boletim_OPSA_2022_n3.pdf. Acesso em 09/12/2022.

GESTIÓN. Dina Boluarte: Subcomisión de Acusaciones archiva denuncia constitucional contra vicepresidenta. Gestión, 05/12/2022. Disponível em:  https://gestion.pe/peru/politica/dina-boluarte-subcomision-de-acusaciones-archiva-denuncia-constitucional-contra-vicepresidenta-rmmn-noticia/. Acesso em 09/12/2022.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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