17 agosto 2023

Daniel Buarque: A Cúpula da Amazônia e os contrastes da imagem do Brasil

Criticado internamente pela falta de um consenso a respeito de metas contra o desmatamento, encontro foi visto no exterior como um sucesso. Para observadores estrangeiros, Lula conseguiu um feito raro ao reunir líderes da região para discutir questões ambientais

Criticado internamente pela falta de um consenso a respeito de metas contra o desmatamento, encontro foi visto no exterior como um sucesso. Para observadores estrangeiros, Lula conseguiu um feito raro ao reunir líderes da região para discutir questões ambientais

Foto oficial com os líderes dos países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Daniel Buarque*

A Cúpula da Amazônia realizada neste mês em Belém se tornou evidência de um fenômeno muito particular de estudos sobre percepções estrangeiras, prestígio e status de um país — o contraste entre a autoimagem e a percepção externa sobre uma determinada nação, no caso, o Brasil.

Enquanto no ambiente doméstico dominou um sentimento de frustração pela falta de consenso a respeito de metas contra o desmatamento e disputas a respeito da exploração de petróleo na região, no olhar externo o evento foi considerado um sucesso que ajuda a projetar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como uma liderança importante na região e na questão ambiental.

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Ainda que tenham reconhecido avanços na realização do encontro, os jornais brasileiros destacaram especialmente os limites das negociações. Em editorial sobre o encontro, a Folha de S.Paulo, por exemplo, se referiu a um “Dissenso amazônico”, enquanto uma reportagem do mesmo jornal chamou a atenção para críticas de ONGs sobre a falta de ações concretas a partir da cúpula. O Estado de S. Paulo, por outro lado, apontou pontos a serem comemorados, mas ressaltou que o resultado da reunião não foi o ideal.

No exterior, entretanto, a abordagem foi bem mais positiva, conforme apontado pelo Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil). A cúpula foi o principal tema relacionado ao Brasil a ter destaque na imprensa estrangeira ao longo da segunda semana de agosto, e a maior proporção dos textos teve tom positivo, atingindo 42% da cobertura sobre o país (mais do que o dobro da média de menções favoráveis ao país). 

O jornal francês Le Monde chamou o resultado do evento de “compromisso animador” e disse que o evento foi um “sucesso diplomático”. O britânico The Guardian tratou a cúpula de forma elogiosa e apontou a importância da mudança de postura ambiental do país depois da mudança de governo. O jornal americano The New York Times ressaltou que o acordo fornece um roteiro para conter o desmatamento desenfreado. 

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Trata-se de uma inversão do que se vê mais tradicionalmente em pesquisas de relações internacionais a respeito de status. A abordagem mais comum na academia mostra que o prestígio de um país no exterior tende a não refletir necessariamente os esforços dele para alcançar reconhecimento no exterior. A auto-imagem e o que um Estado tenta promover no resto do mundo tendem a ser mais positivos do que a forma como ele é percebido quando visto de fora. 

No caso da Cúpula da Amazônia, ocorreu o oposto. O otimismo internacional parece se sobrepor às críticas internas e vê com bons olhos a movimentação do Brasil e dos seus vizinhos na diplomacia ambiental.  Ele também reflete uma opinião externa que ganhou força desde a eleição do ano passado, colocando Lula em contraste com a política descompromissada de Jair Bolsonaro. 

Este tipo de abordagem aparenta refletir o crescente consenso da opinião internacional (especialmente no Ocidente) a respeito da importância da questão ambiental e da proteção da Floresta Amazônica. Essa percepção positiva tende a favorecer ainda mais a posição do Brasil na tentativa de liderar a região, representando os países que têm a floresta em seu território, e a luta global contra o aquecimento global. Além disso, pode ser reflexo também do nível de exigência interna em relação ao governo que já está no poder há oito meses, contra um olhar internacional que pensa com prazos mais longos.

Como discutido nesta coluna na semana passada, isso se coloca como uma grande oportunidade para o Brasil buscar um papel com alto prestígio na política internacional. Na falta de outro país capaz de liderar o mundo na questão ambiental, há espaço para o Brasil se projetar no mundo pelo seu compromisso com a proteção da natureza. Para isso, entretanto, vai ser preciso colocar a diplomacia ambiental no centro da política externa brasileira e ir além do discurso, mostrando um compromisso real. A promessa de acabar com o desmatamento até 2030 é sem dúvida um sinal positivo neste sentido, mas as recentes movimentações sobre ampliação de exploração de petróleo no Norte do país podem ir contra esta estratégia de usar o ambiente para promover o aumento do prestígio do país.

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*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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