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Interesse Nacional
31 agosto 2023

Daniel Buarque: A expansão do Brics e a ilusão do protagonismo brasileiro

Críticos apontam que a voz do Brasil no grupo perde força com a inclusão de novos países, indicando que o país ‘cedeu’ a liderança dos emergentes à China. Histórico mostra, entretanto, que a presença do país no Brics já foi muito questionada, e o Brasil foi o país do grupo que menos ampliou seu status

Críticos apontam que a voz do Brasil no grupo perde força com a inclusão de novos países, indicando que o país ‘cedeu’ a liderança dos emergentes à China. Histórico mostra, entretanto, que a presença do país no Brics já foi muito questionada, e o Brasil foi o país do grupo que menos ampliou seu status

Sessão do Diálogo de Amigos do Brics, na África do Sul (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Daniel Buarque*

A decisão do Brics de ampliar o número de nações que fazem parte do bloco, incluindo seis novos países no grupo foi um dos principais assuntos da política internacional em debate nas últimas semanas. Por mais que o tom do anúncio da expansão do grupo tenha sido positivo (especialmente na China), boa parte das análises em todo o mundo sobre a decisão foi crítica, apontando a perda de uma identidade, a incorporação de autocracias, o risco de polarização com o Ocidente e a ampliação da força da China.

No Brasil, um dos principais pontos de críticas ao apoio da diplomacia do governo de Luiz Inácio Lula da Silva à mudança no grupo foi de que ela poderia mudar a posição brasileira no bloco. O país poderia “perder protagonismo” e cedia força demais à China. Para especialistas citados na imprensa nacional, “a entrada de vários países emergentes pode vir a ofuscar o protagonismo no cenário internacional brasileiro”.

Essa crítica realmente aponta uma postura brasileira que se chocaria contra a proposta da “Doutrina Lula”, de aumentar a projeção internacional do país. Ela parte, entretanto, de uma premissa que não se comprova e que pode ser vista como uma ilusão: dizer que o Brasil teve protagonismo entre os emergentes que formam o Brics.

‘A presença do Brasil no Brics foi questionada desde que a ideia do grupo foi criada, em 2001’

A presença do Brasil no Brics foi questionada desde que a ideia do grupo foi criada, em 2001. “Nos primeiros anos após a criação do termo BRIC, sempre que ia ao Brasil, as pessoas me perguntavam por que o “B” estava ali? E chegavam a dizer que era uma piada”, contou o economista Jim O’Neill, criador do acrônimo original, em entrevista para o meu livro Brazil, um país do presente, publicado em 2013.

Dos quatro países originais do BRIC, o Brasil aparecia com menos destaque em quase todas as publicações sobre o grupo, sempre indicando que ele precisava melhorar muito para chegar no patamar dos demais. Até a crise financeira global iniciada em 2008, o Brasil aparecia como o menos promissor entre os emergentes no bloco. Por mais que o país tenha mostrado solidez macroeconômica e resistido à crise, conseguindo uma situação econômica que melhorou sua projeção internacional entre 2009 e 2010, isso logo seria perdido novamente com os problemas enfrentados a partir de 2013, especialmente a recessão e a instabilidade política.

Mais recentemente, um estudo publicado em 2020 revelou que o Brasil foi o país do Brics (já incluindo a África do Sul) que teve a pior performance em termos de status internacional desde a redemocratização do país. Em Brazil’s Status Struggles: Why Nice Guys Finish Last, um dos capítulos do livro Status and the Rise of Brazil, os pesquisadores Paul Beaumont e Pål Røren alegam que o Brasil não apenas tem um desempenho inferior em comparação com seus recursos de status, como também tem um desempenho pior do que qualquer um dos seus pares no Brics.

‘Mesmo que o Brasil tenha conseguido alguma melhora no desempenho de status durante o período 2005-2010, ele continuou não alcançando reconhecimento pelo protagonismo que gostaria de ter’

O país teve dificuldade em ter seu nível de prestígio reconhecido mesmo por potências menores até mesmo no século XXI. Mesmo que ele tenha conseguido alguma melhora no desempenho de status durante o período 2005-2010, ele continuou não alcançando reconhecimento pelo protagonismo que gostaria de ter. 

É verdade que o ativismo internacional de Lula desde sua volta ao poder no Brasil pode gerar alguma boa vontade entre os outros países, e que o brasileiro conseguiu emplacar a ex-presidente Dilma Rousseff na direção do Banco do Brics. Mesmo assim é no mínimo exagerado achar que houve alguma liderança brasileira no bloco.

‘É preciso lembrar que a China e a Rússia são duas grandes potências com assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU, e que a Índia é uma potência militar’

Essas avaliações mostram que a ideia de que o Brasil perde protagonismo não faz sentido porque o país não tinha protagonismo no Brics. Por mais que o grupo exista e indique alguma proximidade entre os países, é preciso lembrar que a China e a Rússia são duas grandes potências com assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU, e que a Índia é uma potência militar (com armas nucleares) e econômica, além de ter a maior população do planeta. Entre os cinco membros do grupo, talvez o Brasil tivesse mais voz do que a África do Sul, apenas — e olhe lá.

Perceber isso pode ajudar o Brasil a ver algum benefício na expansão do Brics. Ainda que sejam pertinentes as críticas à forma como ela aconteceu e à lista de países incluídos, é difícil negar que aumentar o número de vozes no Brics pode aumentar sua força internacional. Cabe ao país decidir se quer mesmo apostar em um futuro global multipolar e se quer mesmo se alinhar a países que têm um histórico problemático com a democracia, o liberalismo e os valores ocidentais de forma geral.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/daniel-buarque-expansao-do-brics-e-uma-formacao-de-peoes-no-xadrez-geopolitico/

*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional 

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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