16 março 2023

Daniel Buarque: A importância dos correspondentes estrangeiros na construção da imagem internacional do Brasil

Estratégias de promoção do soft power brasileiro frequentemente apostam em notícias publicadas na imprensa do exterior para favorecer as percepções sobre o Brasil. Segundo estudo do pesquisador chileno César Jiménez‑Martínez, jornalistas têm uma dinâmica envolvendo a marca nacional, passando por desafio, alinhamento e filtragem de mensagens

Estratégias de promoção do soft power brasileiro frequentemente apostam em notícias publicadas na imprensa do exterior para favorecer as percepções sobre o Brasil. Segundo estudo do pesquisador chileno César Jiménez‑Martínez, jornalistas têm uma dinâmica envolvendo a marca nacional, passando por desafio, alinhamento e filtragem de mensagens

Entrevista coletiva do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva a correspondentes de veículos de imprensa estrangeiros, em agosto de 2022 (Foto: Reprodução/TVT)

Por Daniel Buarque*

Quando o Brasil começou a desenvolver suas primeiras estratégias sistemáticas de diplomacia pública a fim de promover uma percepção positiva do país no exterior, entre o final dos anos 1990 e a primeira década do século XXI, o foco de boa parte das ações era em oferecer subsídios e tentar influenciar jornalistas estrangeiros baseados aqui. No livro Diplomacia Pública e Imagem do Brasil no Século XXI, Carlos Luís Duarte Villanova descreve este processo e mostra como a imprensa internacional foi importante na construção da narrativa sobre a ascensão internacional do Brasil no período.

Os correspondentes estrangeiros são fundamentais na discussão sobre nation branding, a análise de imagem de países como se fossem marcas, e na diplomacia pública. Eles são atores importantes na projeção das nações no resto do mundo. Ainda assim, há poucos estudos acadêmicos sobre o papel deles nesse processo.

Para o pesquisador chileno César Jiménez‑Martínez, o ponto central é que correspondentes estrangeiros não devem ser entendidos necessariamente como colaboradores ou antagonistas da tentativa do Brasil de ampliar o seu soft power. Eles podem potencialmente desempenhar esses papéis em diferentes momentos, fortalecendo ou prejudicando iniciativas de promoção de uma nação no exterior. 

“Há uma dinâmica envolvendo a marca nacional e o jornalismo que às vezes se alinha, quando os esforços de soft power são comunicados, e às vezes se choca, quando os jornalistas não confiam neles ou os ignoram porque fazem o jornalista parecer não ‘autônomo’ ou ‘objetivo’”, diz.

O argumento é apresentado no artigo Soft power and media power: western foreign correspondents and the making of Brazil’s image overseas publicado na edição mais recente da revista acadêmica Place Branding and Public Diplomacy

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Professor de Global Media and Communications na universidade de Cardiff, no Reino Unido, Jiménez‑Martínez estudou aprofundadamente a construção da percepção interna e externa dos protestos de junho de 2013 no Brasil e é autor do livro Media and the Image of the Nation during Brazil’s 2013 Protests. O artigo sobre os correspondentes já circulava de forma virtual desde 2021, mas só agora teve a publicação formalizada em uma edição do journal.

Jiménez‑Martínez desenvolveu sua análise a partir de 21 entrevistas com correspondentes estrangeiros que atuaram no Brasil nas últimas duas décadas, examinando como eles avaliavam iniciativas de soft power do país e elaboravam suas próprias representações sobre a identidade nacional. Seu objetivo é desenvolver uma compreensão sobre o nexo entre o soft power e o jornalismo, avaliando se correspondentes estrangeiros são colaboradores ou antagonistas nesse processo.

Segundo ele, jornalistas estrangeiros, especialmente de países do Ocidente, são importantes em relação às iniciativas de soft power de nações do Sul Global, como o Brasil, devido à dependência destes últimos de garantir cobertura positiva por organizações de notícias estrangeiras e sua necessidade de reconhecimento pelo Ocidente. Também são importantes porque países como o Brasil dependem de uma projeção de imagem que os ajudem a ultrapassar algumas das suas limitações de hard power.

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O papel dos correspondentes estrangeiros é importante, diz, pois são eles que rotineiramente informam sobre nações distantes, definem a agenda de notícias estrangeiras e podem influenciar a percepção que as elites e o público em geral podem ter de uma determinada nação. 

O trabalho identifica três modos de relacionamento entre jornalistas e essa construção da marca do Brasil no mundo. Há o relacionamento desafiador, o de alinhamento e o de filtragem. 

O desafio se apresenta como resistência e rejeição da marca do país. Segundo o pesquisador, a maioria dos entrevistados alegou contestar os esforços de promoção da imagem do Brasil, chamando-os de mera propaganda, que é mal vista por eles. “A maioria dos correspondentes estrangeiros que entrevistei enfatizou como suas notícias eram janelas para mostrar e ver o Brasil ‘autêntico’, em contraste com as imagens propagandísticas e brilhantes da marca da nação”, diz. 

O relacionamento pelo alinhamento sugere que, apesar da declarada rejeição ao marketing nacional, o jornalismo pode seguir uma linha semelhante a ele, especialmente no enquadramento sob a perspectiva do desempenho econômico. Este é visto como tendo impulsionado a tentativa brasileira de se projetar no mundo e fez com que as organizações de mídia ocidentais estivessem mais dispostas a financiar reportagens sobre o Brasil. 

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De forma semelhante, a capacidade de contar uma história emocionalmente convincente também foi importante para a imprensa internacional. Neste ponto, a história de vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois primeiros mandatos o ajudava a desenvolver esta imagem mais forte do país. “O foco em Lula não é surpreendente, dado que as organizações de mídia ocidentais muitas vezes enquadram os líderes políticos como representantes da legitimidade internacional e dos valores de uma nação. Para os entrevistados, a história de Lula foi, portanto, fundamental não só para chamar mais a atenção para o Brasil, mas também para os milhões de brasileiros que saíram da pobreza durante seu governo.” 

O relacionamento por filtragem indica que, mesmo quando havia alinhamento, os jornalistas dificilmente eram simplesmente porta-vozes do Estado e detinham um poder significativo. “Embora os correspondentes estrangeiros nem sempre contestassem diretamente a marca da nação, às vezes eles filtravam mensagens promocionais oficiais, dependendo dos interesses e expectativas do público para o qual reportavam, bem como das histórias de notícias globais percebidas”, diz. Os jornalistas podem, em última análise, filtrar elementos de iniciativas de soft power, selecionando aqueles que melhor se encaixam com os interesses percebidos, expectativas e restrições de audiências distantes. 


*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).

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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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