13 julho 2023

Daniel Buarque: E se… O Brasil tivesse adotado uma postura diferente sobre a guerra na Ucrânia?

Pesquisa avalia a posição da diplomacia brasileira em relação ao conflito, compara as diferenças de atitudes entre Lula e Bolsonaro e propõe exercício de imaginação para indicar o que poderia ter acontecido em cenários diferentes. Para pesquisadores, um não-alinhamento ativo seria a melhor forma de fazer avançar um plano de paz

Pesquisa avalia a posição da diplomacia brasileira em relação ao conflito, compara as diferenças de atitudes entre Lula e Bolsonaro e propõe exercício de imaginação para indicar o que poderia ter acontecido em cenários diferentes. Para pesquisadores, um não-alinhamento ativo seria a melhor forma de fazer avançar um plano de paz

O então presidente Jair Bolsonaro se reúne com Vladimir Putin no Kremlin em fevereiro de 2022 (Foto: Presidência da Rússia)

Por Daniel Buarque*

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, no início do ano passado, a posição do Brasil em relação à guerra tem se destacado como um dos mais importantes temas da política externa do país. Esse posicionamento diplomático se torna especialmente marcante pelas diferenças e continuidades do Brasil após a mudança de governos em janeiro deste ano e pela grande visibilidade internacional que atrai, com críticas e apoios de diferentes países do mundo, bem como intenso debate interno. Mas o que poderia ter acontecido de diferente nessa postura brasileira, e como isso afetaria as relações do Brasil com o mundo?

Em artigo recém-publicado na revista acadêmica Globalizations, a professora Bárbara Vasconcellos de Carvalho Motta, da Universidade Federal de Sergipe, e o pesquisador David Paulo Succi Junior, do pós-doutorado da Universidade Estadual Paulista, analisam essa posição brasileira. Em Brazilian foreign policy for the war in Ukraine: changing non-alignment, counterfactual, and future perspectives, eles avaliam que, apesar dos contrastes entre as diplomacias de Lula e Bolsonaro de forma geral, nenhum dos dois governos se alinhou claramente com nenhum lado do conflito. Eles argumentam, entretanto, que enquanto Bolsonaro assumiu uma atitude de inércia, Lula empreendeu um não-alinhamento mais proativo. 

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/daniel-buarque-lula-a-guerra-a-neutralidade-e-a-busca-por-um-lugar-entre-as-grandes-potencias/

Indo além do que de fato aconteceu na política externa brasileira em relação à guerra, os dois pesquisadores analisam o que poderia ter acontecido, caso o país tivesse adotado posturas diferentes. 

No artigo, eles apresentam três contrafactuais, explorando como a posição brasileira poderia ter sido diferente. Um contrafactual é uma forma de raciocínio que envolve a especulação sobre o que teria acontecido se eventos passados tivessem ocorrido de maneira diferente. É uma hipótese contrafactual que descreve um cenário alternativo ao que realmente ocorreu. Trata-se de uma afirmação condicional que imagina como as coisas teriam sido diferentes se uma determinada circunstância ou evento tivesse sido alterado no passado. Seria como perguntar “e se…?”.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-sul-global-esta-forjando-uma-nova-politica-externa-diante-da-guerra-na-ucrania-e-de-tensoes-entre-china-e-eua-o-nao-alinhamento-ativo/

O primeiro cenário avalia o que aconteceria se o Itamaraty não tivesse conseguido suavizar a postura de Bolsonaro, e o Brasil tivesse se inclinado para o lado da Rússia; o segundo pensa sobre como seria se o Brasil tivesse seguido a posição ocidental, considerando a proximidade ideológica de Bolsonaro com os conservadores americanos; e o terceiro propõe um cenário considerando os efeitos de o Brasil adotar uma postura ativa de não-alinhamento logo no início do conflito. 

‘Se o Itamaraty não tivesse conseguido suavizar a postura de Bolsonaro, e o Brasil tivesse se inclinado para o lado da Rússia, isso teria representado um deslocamento completo da política externa brasileira para países governados por líderes autoritários de extrema-direita’

Segundo o estudo, o primeiro “e se…” teria representado um deslocamento completo da política externa brasileira para países governados por líderes autoritários de extrema-direita, reforçando a percepção de um mundo mais dividido entre países que desafiam e defendem a ordem liberal internacional.  “Nesse contexto, a busca pela autonomia não teria posicionado o Brasil como intermediário entre Leste e Oeste, Norte e Sul, mas sim como parte de um bloco específico”, diz, apontando que seria uma posição rara história recente da política externa brasileira.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-que-a-diplomacia-pode-fazer-para-encerrar-a-guerra-na-ucrania/

‘Alinhar-se ao Ocidente não teria sido considerado uma mudança total na política externa brasileira, mas poderia ter prejudicado a economia’

Considerando a segunda possibilidade, alinhar-se ao Ocidente não teria sido considerado uma mudança total na política externa brasileira, dizem. Isso porque mesmo que tenha variado em sua posição, o Brasil tem laços históricos com o Ocidente e particularmente com os EUA.” Se o Brasil tivesse aderido ao regime de sanções e/ou fornecido armas à Ucrânia, essa posição teria provocado um debate doméstico, apesar de ser percebida como um movimento positivo pela comunidade internacional ocidental”, avaliam. Fazer parte do regime de sanções, entretanto, poderia ter prejudicado a economia brasileira, principalmente no que diz respeito à importação de fertilizantes e à exportação de produtos agrícolas. 

‘Um não-alinhamento ativo era a posição que teria maior potencial para levar o conflito a um acordo negociado paz, se tivesse sido bem sucedido’

A terceira alternativa, segundo eles, seria a mais improvável por conta da postura tradicionalmente radical de Bolsonaro, mas estaria alinhada com a tradição universalista da política externa brasileira, destacando a diversificação como forma de aumentar o poder de barganha do país. “Um não-alinhamento ativo, com possibilidade de diálogo com países africanos, China, Índia, bem como com países ocidentais, além de reunir a América do Sul, era a posição que teria maior potencial para levar o conflito a um acordo negociado paz, se tivesse sido bem sucedido”, dizem.

Apesar de ser um exercício interessante para entender a política externa brasileira em um momento de grande tensão global, e de apontarem cenários para o processo de decisão da diplomacia brasileira, é importante pensar nessas avaliações com cautela. Os contrafactuais podem ser úteis para explorar as consequências de diferentes escolhas ou eventos passados e entender como essas mudanças podem ter afetado o curso dos acontecimentos. No entanto, é importante notar que os contrafactuais são hipóteses e não podem ser verificados empiricamente, uma vez que se referem a eventos que não ocorreram.


*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional 

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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