19 outubro 2023

Daniel Buarque: Fracasso de resolução brasileira na ONU expõe limites da capacidade de mediação do país

Na Presidência da principal instituição da ONU, Brasil atuou de forma proativa e teve a chance de mudar sua imagem e ampliar seu prestígio. Rejeição de proposta brasileira reforça a ideia de que as grandes potências não reconhecem a sua relevância em questões de segurança global

Na Presidência do principal órgão da ONU, Brasil atuou de forma proativa e teve a chance de mudar sua imagem e ampliar seu prestígio. Rejeição a proposta brasileira reforça a ideia de que as grandes potências não reconhecem a sua relevância em questões de segurança global

Membros do Conselho de Segurança da ONU votam resolução brasileira por ‘pausa’ humanitária na guerra (Foto: Evan Schneider/UN Photo)

Por Daniel Buarque*

A rejeição à resolução proposta pelo Brasil sobre o conflito entre Israel e o Hamas no Conselho de Segurança das Nações Unidas foi um claro revés na tentativa brasileira de se mostrar um país com capacidade de mediação de grandes questões da segurança internacional.

Presidente do órgão mais importante da ONU, responsável por questões de guerra e paz, o Brasil está numa posição oportuna para ampliar seu status no mundo, revelando uma capacidade de negociação com interesses variados. Assim, o país vem agindo de forma rápida e proativa para tentar negociar, se não o fim da guerra, ao menos formas de reduzir os danos do conflito sobre civis. 

Sua proposta apresentada ao Conselho chamava de terroristas e rejeitava os ataques promovidos pelo Hamas, exigia a soltura de reféns civis e pedia a revogação da ordem para evacuação do norte da Faixa de Gaza. O texto havia sido consolidado a partir de consultas com os demais membros do Conselho, a fim de garantir a sua aprovação, mas deixou de ganhar apoio total por não mencionar o direito de defesa de Israel – e por disputas geopolíticas entre as grandes potências. 

‘O veto à proposta brasileira reforça a ideia de que as grandes potências não reconhecem a relevância do país em questões importantes de segurança internacional’

O veto norte-americano à proposta brasileira (bem como as abstenções russa e britânica), entretanto, reforça a ideia de que as grandes potências não reconhecem a relevância do país em questões importantes de segurança internacional. Visto como um “peão” por esses países que são membros permanentes do Conselho e têm poder de voto, o Brasil foi incapaz de costurar uma resolução que fosse aceita como relevante e tivesse apoio total deles. 

É bem verdade que isso reflete o jogo de interesses de potências como os EUA, parceiros próximos de Israel, além de Rússia e China, bem como a tentativa de manter o status quo desses países poderosos (reforçando que só o voto delas importa). Tanto é assim que uma resolução da Rússia também foi rejeitada pelo Conselho. É um resultado também da crise do multilateralismo e da própria imobilidade da ONU e do Conselho de Segurança em um contexto de grande tensão internacional. Dado o histórico de tentativas brasileiras de ter um papel de peso de resoluções de grande importância global, entretanto, é também mais um fracasso que mostra a falta de reconhecimento das credenciais do país nessas negociações.

‘A situação da guerra em Gaza parece repetir tentativas passadas do Brasil em ter um papel importante na mediação de grandes conflitos, sem sucesso’

A situação parece repetir tentativas passadas do Brasil em ter um papel importante na mediação de grandes conflitos. Sem sucesso, o país tem tentado se colocar como um intermediário entre a Rússia e a Ucrânia, por exemplo. E o caso mais proeminente dessa limitação da atuação brasileira, suplantada pelos interesses geopolíticos maiores, foi o fracasso da Declaração de Teerã, em 2010, quando o país se juntou à Turquia para negociar um acordo nuclear com o Irã, mas viu sua solução ser ignorada pelas grandes potências.

Como explicado em outra coluna, esse tipo de reconhecimento é fundamental do ponto de vista do status internacional de um país, pois o nível de prestígio e a capacidade de ter influência na política internacional dependem de como o país é percebido pelos outros atores da comunidade internacional – especialmente os países com mais poder. E a percepção externa sobre o Brasil é que o país não tem relevância nas grandes questões de segurança internacional. 

‘O Brasil é visto como um país pacífico e distante geograficamente das zonas de conflito, e por isso sua voz não é reconhecida como tendo capacidade para influenciar estas questões globais’

Do ponto de vista dos cinco países que têm assentos permanentes e poder de veto no Conselho de Segurança, o Brasil não possui hard power (poder militar e econômico) suficiente para ser importante nas grandes questões de segurança global. O Brasil é visto como um país pacífico e distante geograficamente das zonas de conflito, e por isso sua voz não é reconhecida como tendo capacidade para influenciar essas questões globais.  Mesmo que atualmente seja o presidente do Conselho de Segurança, o país continua sendo visto como um ator sem relevância para conflitos como a guerra em Gaza.

Nem tudo está perdido para o Brasil, entretanto. Longe da ideia de “anão diplomático” que alguns críticos tentaram usar para descrever o país, há quem veja no esforço brasileiro e no veto norte-americano uma vitória indireta do Itamaraty, que conseguiu negociar com sucesso apenas para ser silenciado pela soberba americana. Isso pode soar um exagero, dado que a resolução foi rejeitada e não vai ter efeito real para resolver o conflito, mas realmente houve um reconhecimento de muitos países pelo esforço brasileiro em tentar negociar uma resolução equilibrada.

O Brasil também pode ter outras oportunidades de se mostrar um mediador competente, e vai conversar com o Egito e outros países sobre o confronto. A guerra em Gaza continua acirrada e é alta a possibilidade de escalada das agressões incluindo outros atores da região ou mesmo de fora dela, portanto ainda há necessidade de atuação internacional coordenada na região. O país continua na Presidência do Conselho de Segurança até o fim do mês e, mesmo com prazo muito curto e sem ter o apoio dos poderosos da política global, ainda pode tentar se mostrar um ator relevante na mediação do conflito e buscar aliviar os problemas gerados pela guerra especialmente para populações civis. O desafio é manobrar em torno desse despeito de potências que não reconhecem a importância deste trabalho de negociação.


*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional 

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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