Editorial: Voto e polarização nos EUA
Eleições de meio de mandato ampliam força do Partido Republicano, ainda que com margem menor do que o esperado. Nos próximos dois anos, o cenário politico norte-americano continuará radicalizado, e o trumpismo radical, com ou sem Trump, mostrou que está aí para ficar
Eleições de meio de mandato ampliam força do Partido Republicano, ainda que com margem menor do que o esperado. Nos próximos dois anos, o cenário politico norte-americano continuará radicalizado, e o trumpismo radical, com ou sem Trump, mostrou que está aí para ficar
Por Rubens Barbosa*
Não sem surpresa, os Republicanos deverão retomaram o controle da Câmara de Representantes (deputados) dos Estados Unidos após as eleições de meio de mandato desta semana, embora com margem menor do que esperavam e os democratas, tudo indica, devem manter o controle do Senado com o voto de desempate da Vice-Presidente e speaker do Senado. Matematicamente, o cenário na Câmara ainda pode mudar com os votos que ainda faltam ser contados, mas é pouco provável. O resultado do Senado só vai ser conhecido em dezembro, depois do segundo turno de uma das cadeiras na Georgia.
A surpresa veio com a perda da força do movimento trumpista. A onda republicana não ocorreu, e Trump pode ser visto como o grande perdedor da eleição. Algumas personalidades escolhidas por Trump para concorrer ao governo e ao Senado, pelo perfil radical e negacionista deles, foram derrotados. Em paralelo, a expressiva vitória de Ron De Santis para o governo da Flórida o credencia como uma força crescente no Partido Republicano e um possível rival de Trump em 2024. Em vista desse quadro, resta aguardar para conferir se Trump vai lançar-se candidato à Presidência no próximo dia 15, como insinuou pouco antes da eleição.
O presidente Biden comemorou a contenção do dano feita pelo Partido Democrata pela margem estreita da derrota na Câmara e pela grande possibilidade de manutenção do controle do Senado. Apesar disso, a vida de Biden não vai ser fácil. Além da divisão em seu próprio partido, vai ter de lidar com a continuada divisão no país e agora no Congresso. O novo speaker da Câmara dos Representantes, que entrará no lugar de Nancy Pelosi, certamente vai apoiar a agenda republicana para dificultar a aprovação de verbas para apoio à Ucrânia na luta contra as tropas russas e para aprovar medidas contrárias à implementação da agenda ambiental de descarbonização da economia americana.
Não se podem descartar iniciativas, que não terão consequências politica na prática, como o pedido de impeachment de Biden e uma comissão de investigação do filho de Biden, em retaliação à comissão que apurou a responsabilidade de Trump nos acontecimentos de 6 de janeiro com a invasão do Capitólio em Washington e que devera ser extinta, sem maiores consequências para o ex-presidente. No Senado, vai continuar a dificuldade para aprovar as indicações para altos cargos na Administração e para as embaixadas no exterior. Biden vai ter de recorrer ao veto em algumas das iniciativas republicanas.
Nos próximos dois anos, o cenário politico norte-americano continuará radicalizado porque, com Trump ou De Santis como candidato em 2024, a agenda radical de costumes, contra o sistema eleitoral –acusado de permitir fraudes na apuração dos votos–, e a violência pela defesa do porte de armas, vai continuar forte e vocal. O trumpismo radical, com ou sem Trump, está aí para ficar.
Nas próximas eleições, um novo fator deverá ser levado em conta: o voto latino. Com 14% dos votos, é o segundo maior grupo, só ficando atras dos brancos, com forte presença em alguns estados. Na campanha da eleição atual, os latinos em sua maioria apoiaram os republicanos, diferentemente do que ocorria no passado, quando que respaldavam o Partido Democrata. Se for acrescentado a esse pano de fundo a situação da economia, com a alta inflação dos alimentos e da energia, temos o quadro de uma tempestade perfeita para o Partido Democrata.
A candidatura de Biden, apesar das declarações do presidente, é incerta. A vice-presidente Kamala Harris, que sumiu politicamente e tem pouca repercussão na opinião pública, não terá força para apresentar-se como sucessora de Biden. Não há nenhum politico, governador ou congressista, hoje, que comece a despontar como possível candidato em 2024.
Mesmo com esse pano de fundo complexo na politica doméstica, Biden abriu duas frentes perigosas no exterior: o apoio à Ucrânia, que no fundo é uma guerra de atrito contra a Rússiam e a confrontação com a China, em função de Taiwan e da crescente competição econômica, comercial e tecnológica com a nova potencia global.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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