18 setembro 2023

Golpe no Níger é um contratempo para a democracia e os interesses dos EUA na África Ocidental

O Níger, nação da África Ocidental, está sob regime militar após um golpe no qual o presidente Mohamed Bazoum foi derrubado e mantido em cativeiro por membros de sua própria guarda. Em 28 de julho de 2023, os líderes golpistas nomearam o general Abdourahmane Tchiani como o novo chefe de Estado, enquanto observadores internacionais exigiam […]

O Níger, nação da África Ocidental, está sob regime militar após um golpe no qual o presidente Mohamed Bazoum foi derrubado e mantido em cativeiro por membros de sua própria guarda. Em 28 de julho de 2023, os líderes golpistas nomearam o general Abdourahmane Tchiani como o novo chefe de Estado, enquanto observadores internacionais exigiam a reinstalação das normas democráticas. Em que condição o golpe deixará o país e o que acontecerá não está claro. The Conversation voltou-se para Leonardo A. Villalón, cientista político e especialista na África Ocidental da Universidade da Flórida, para obter algumas respostas.

Por Leonardo A. Villalón*

Como ocorreu o golpe?

A princípio, não ficou claro se isso foi um golpe. Embora houvesse indícios de tensões internas tanto do exército quanto entre líderes militares e civis, um golpe certamente não era esperado. Estive no Níger no mês passado e não havia nada que sugerisse que um golpe estava prestes a acontecer. E, em contraste com o que aconteceu em Mali e Burkina Faso nos últimos anos, o golpe não foi precedido por protestos generalizados ou apelos populares por uma mudança na liderança.

Assim, quando os membros da guarda presidencial tomaram Bazoum em 26 de julho, não ficou imediatamente claro o que estava acontecendo ou se suas ações seriam bem-sucedidas. O primeiro teste real para os líderes do golpe foi se o restante dos militares apoiariam suas ações. Caso contrário, isso poderia ter desencadeado uma luta generalizada no país. Mas acabou sendo – pelo menos até agora – um golpe sem derramamento de sangue. Após disputas iniciais entre diferentes facções sobre quem assumiria o controle, os generais do país apoiaram o golpe.

Enquanto isso, o presidente democraticamente eleito continua refém em prisão domiciliar.

Quais são as consequências do golpe?

Embora até agora tenha sido um golpe sem derramamento de sangue, as consequências são catastróficas para o Níger e para a região.

A nação está entre as menos desenvolvidas da Terra, com altos níveis de pobreza e um histórico de instabilidade e golpes.

“O Níger emergiu nos últimos anos como uma força relativamente estável na região”

Mas emergiu nos últimos anos como uma força relativamente estável na região e como um aliado fundamental para o Ocidente ao lidar com o terrorismo e a violência que aumentaram desde um golpe no vizinho Mali em 2012. Esse evento, desencadeado pela intervenção da OTAN na Líbia e a queda de Moammar Gadhafi, deu início a uma década de instabilidade na região.

No entanto, apenas dois anos atrás, o Níger viu sua primeira transferência democrática de poder de um presidente eleito para outro. A eleição não foi de forma alguma perfeita, mas foi vista com razão como uma conquista significativa. É por isso que esse golpe é particularmente problemático: representa uma reversão do progresso feito nos últimos anos na construção lenta de instituições estatais funcionais e processos democráticos.

“Níger representava um aliado pragmático liderado por civis nos esforços internacionais para conter a onda de violência jihadista na região do Sahel”

O golpe também tem grandes consequências para a região. Os vizinhos Mali e Burkina Faso romperam com a França, ex-potência colonial, e com o Ocidente em geral, e se aproximaram da Rússia. Enquanto isso, Chad, outro vizinho, está envolvido em um esforço problemático de transição para um governo eleito. Contra esses países, o Níger representava um aliado pragmático liderado por civis nos esforços internacionais para conter a onda de violência jihadista na região do Sahel. Não temos nenhuma indicação clara no momento de como os novos líderes militares do Níger se alinharão neste contexto.

Como esse difere-se dos golpes anteriores no Níger?

Essa é uma coisa realmente interessante. O Níger é frequentemente descrito como propenso a golpes. Mas com cada golpe anterior, as circunstâncias permitiram que os líderes do golpe justificassem suas ações como necessárias, ou pelo menos como justificáveis e compreensíveis por algum raciocínio. Mas isso não parece ser verdade para esta última tomada de poder pelos militares. 

O primeiro golpe do Níger ocorreu em 1974 em meio a um cenário de terrível seca e fome em todo o Sahel. Isso criou um nível de frustração e decepção com as deficiências do primeiro governo pós-independência do país e forneceu uma justificativa para os militares derrubá-lo e reivindicar legitimidade com um foco renovado no desenvolvimento. 

Os golpes subsequentes no Níger – em 1996, 1999 e 2010 – foram todos desencadeados por crises políticas específicas. Em 1996, o novo regime democrático instaurado em 1993 encontrava-se paralisado por instituições que dificultavam o trabalho conjunto dos poderes Executivo e Legislativo. Os militares justificaram o golpe como um passo necessário para desbloquear este impasse. Três anos depois, esses líderes golpistas não cumpriram suas promessas e foram depostos – e o ex-soldado e então presidente Ibrahim Baré Maïnassara foi assassinado – quando tentou permanecer no poder manipulando as eleições.

Conforme prometido pelos líderes do golpe de 1999, em um ano o Níger adotou uma nova constituição e elegeu um novo governo. Infelizmente, após dois mandatos e 10 anos no poder, o presidente Mamadou Tandja tentou estender seu mandato além dos limites constitucionalmente permitidos, desencadeando uma crise política prolongada. No final, os militares intervieram novamente e, em 2010, soldados atacaram o palácio presidencial e capturaram Tandja após uma troca de tiros sangrenta. Os militares justificaram este golpe como um passo necessário para acabar com a crise e impedir a erosão da democracia.

“Todos os três golpes anteriores no Níger poderiam, portanto, ser apresentados como tentativas de “pressionar a reinicialização” do progresso do Níger em direção à democracia”

Todos os três golpes anteriores no Níger poderiam, portanto, ser apresentados como tentativas de “pressionar a reinicialização” do progresso do Níger em direção à democracia. E em cada caso foram justificados pelos líderes do golpe nesses termos.

O mesmo não pode ser dito sobre esse último golpe. O presidente Bazoum está no poder há apenas dois anos e sua vitória nas eleições de 2021, embora contestada, acabou sendo amplamente aceita. Ele chegou ao poder com a promessa de melhorar a segurança do país, investir em educação e combater a corrupção – e certo progresso real foi feito nessa direção. E não havia nenhum impasse político óbvio ou impasse institucional em escala que justificasse um golpe.

Como tal, parece que este último golpe foi muito motivado por política interna e insatisfação entre setores militares, ao invés de qualquer crise desencadeadora clara.

Como os líderes golpistas estão justificando suas ações? 

Além de uma alegação geral de “má governança” e “situação de segurança degradada”, não houve uma lógica clara articulada por aqueles que agora estão no comando para justificar o golpe ou para se legitimar como líderes. Isso marca uma mudança não apenas em relação aos golpes do passado do Níger, mas também contrasta com os do vizinho Mali em 2021 e Burkina Faso no ano seguinte.

Em cada um desses golpes, os líderes militares alegaram que estavam derrubando regimes profundamente impopulares, profundamente corruptos e ineficazes no combate à instabilidade e à violência. Eles se apresentavam como líderes que marcariam uma ruptura com os sistemas políticos existentes, estabelecendo novas alianças.

O que acontece agora? E depois?

É muito difícil ver uma saída coerente para essa situação. Os líderes do golpe suspenderam a constituição e fecharam as fronteiras do Níger. Mas ainda não está claro qual é o plano a longo prazo.

No Mali e em Burkina Faso, os males desses países foram atribuídos à França, com os líderes golpistas buscando apoio na Rússia e aceitando o apoio do mercenário Grupo Wagner, apoiado por Moscou.

“O chefe mercenário de Wagner, Yevgeny Prigozhin, ofereceu aos novos líderes do Níger o apoio de seus  homens, elogiando o golpe como uma luta anticolonial”

O medo entre os ocidentais – e muitos dentro do Níger – é que, na necessidade de articular uma justificativa, os novos líderes militares agora apresentarão o experimento Nigeriano com a própria democracia como um fracasso e, da mesma forma, buscarão o apoio da Rússia e do Grupo Wagner. O chefe mercenário de Wagner, Yevgeny Prigozhin, ofereceu aos novos líderes do Níger o apoio de seus homens, elogiando o golpe como uma luta anticolonial.

Quão grande é o baque desse golpe para os interesses dos EUA na região?

Nos últimos anos, o Níger tem sido o parceiro de escolha de Washington em relação ao Sahel. É visto como um eixo na luta contra o terrorismo na região, e sua importância aumentou significativamente quando Mali e Burkina Faso se voltaram para a Rússia.

O vizinho Chade também é um aliado importante para os EUA. Mas o Chade é problemático, tendo sido liderado pelo autocrático Idriss Déby por 30 anos até sua morte em 2021, apenas para ser sucedido por seu filho, Mahamat Déby – que agora lidera, ele mesmo, uma chamada transição que parece feita para mantê-lo no poder.

Com o Chade, os EUA tinham que tampar o nariz enquanto faziam negócios. O Níger, ao contrário, foi apresentado como um modelo democrático e visto como aberto, pragmático e amigável com Washington.

“O golpe pode significar um sério revés aos interesses dos EUA na região”

Teremos que ver como as coisas se desenrolam, mas é claro que o golpe pode significar um sério revés aos interesses dos EUA na região. Mas, acima de tudo, é um golpe terrível para os esforços do Níger em construir instituições democráticas estáveis e promover a paz e a estabilidade que poderiam melhorar a vida das pessoas que vivem em um dos países mais pobres do mundo.


*Leonardo A. Villalón é professor de ciência política e estudos africanos na Universidade da Flórida


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.

Tradução de Julia Gonzalez


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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