Implicações da conversa entre Lula e Trump
Tudo indica que os entendimentos comerciais ficarão desbloqueados e os dois governos poderão apresentar suas reivindicações para finalmente haver uma negociação que seja conclusiva

Na segunda feira, os presidentes Lula e Trump se falaram quebrando o gelo de quase dez meses sem contato oficial entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca, depois de gestões lideradas pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin.
Em nota oficial, o governo brasileiro informou que Lula pediu que Trump volte atras na aplicação da sobretaxa a produtos brasileiros e nas medidas restritivas impostas a autoridades nacionais. Foi reiterado o convite para a vinda do presidente norte-americano à COP 30. Foram trocados telefones pessoais para estabelecer uma via direta de comunicações e a possibilidade do encontro entre os dois presidentes na Malásia, por ocasião da reunião de Cúpula da Asean.
Em postagem na mídia social, Trump disse que foram tratados diversos assuntos, entre eles a COP 30, mas o foco principal foram questões econômicas e comerciais. Que houve uma boa conversa e que agora os países vão fazer negócios. Mencionou o encontro presencial nos EUA, no Brasil ou em terceiro país. Não mencionou o pedido político feito por Lula sobre as sanções a ministros e autoridades nacionais.
‘Com a reabertura do canal de comunicação entre os dois presidentes, tudo indica que os entendimentos comerciais ficarão desbloqueados e os dois governos poderão apresentar suas reivindicações para finalmente haver uma negociação que seja conclusiva’
Com a reabertura do canal de comunicação entre os dois presidentes, tudo indica que os entendimentos comerciais ficarão desbloqueados e os dois governos poderão apresentar suas reivindicações para finalmente haver uma negociação que seja conclusiva. Nesse sentido, ficou combinado que os entendimentos prosseguirão, coordenados por Alckmin, pelo chanceler Mauro Vieira, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo secretario de Estado e presidente do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Marco Rubio, e será marcado encontro presencial nas próximas semanas, em paralelo à reunião da Asean ou nos EUA.
Quais são as agendas do Brasil e dos EUA nessas negociações?
Do lado brasileiro, resolver as questões pendentes com as Big Techs, reduzir ou eliminar os 40% adicionais que impactam sobre as empresas industriais e do agro, incluir pelo menos café, carne e madeira na lista de exceções com zero de tarifa, negociar o resultado final da investigação sobre seis questões no âmbito da seção 301
Do lado dos EUA, como o país é superavitário na relação comercial com o Brasil, não está claro o que pode ser colocado na mesa, além das questões relacionadas com as Big Tech (regulamentação e taxação) e da agenda investigada na seção 301 da lei de comércio norte-americana (ataques às empresas americanas de mídia social; comércio digital e serviços de pagamento eletrônico (Pix); tarifas preferenciais injustas; interferência anticorrupção; proteção da propriedade intelectual; acesso ao mercado de etanol; e desmatamento ilegal). Talvez exportação de minérios estratégicos, o crescente intercâmbio comercial com a China ou alguma questão relacionada com a pressão ideológica do Departamento de Estado.
Caso haja efetivo avanço nos entendimentos e o Brasil consiga a redução dos 40% adicionais nas tarifas de produtos exportados para os EUA, as implicações principais seriam:
- (a) a separação pelos EUA das questões politicas (sanções a autoridades), das comerciais de forma pragmática e de acordo com o interesse do setor privado e do governo norte-americano (evitar alta dos preços para o consumidor e impacto inflacionário);
- (b) a volta do crescimento das exportações brasileiras para o mercado americano, que perderam intensidade e registram queda nos últimos dois meses;
- (c) a inclusão de café e carne nas exceções com tarifas zero representam um forte alivio para esses setores;
- (d) o reconhecimento da importância do empresariado em Washington para conversar com seus contrapartes e com setores do governo norte-americano das áreas de interesse delas;
- (e) a eliminação de atritos específicos sobre as Big Techs com a negociação de uma agenda comum;
- (f) oportunidades de investimentos de empresas dos EUA em áreas estratégicas como data centers e minérios estratégicos, de acordo com politicas estabelecidas pelo governo Lula.
O telefonema de Marco Rubio a Mauro Vieira na sexta-feira e a marcação de encontro em Washington para discutir a agenda comercial indica que as negociações nessa área estão finalmente desbloqueadas.
Em nota, o Departamento de Estado acrescentou que também serão incluídas nas conversações “outras prioridades regionais importantes”, inclusive certamente a Venezuela e o Haiti.
‘Volta a prevalecer a normalidade no relacionamento entre os dois países’
Com isso, volta a prevalecer a normalidade no relacionamento entre os dois países. Espera-se que o resultado desse encontro permita a marcação do encontro direto entre Lula e Trump na reunião da Asean, no fim de outubro, na Malásia.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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