20 março 2024

Entre a diplomacia e a política doméstica – Desvendando os comentários controversos de Lula sobre Israel

Histórico da política externa lulista distante de qualquer sinal de antissemitismo contrasta com declarações que comparam atual ação em Gaza ao Holocausto. Para professora, mudança de postura do presidente reflete pressões políticas do PT e evidenciam a necessidade de uma linguagem cuidadosa e diplomática

Histórico da política externa lulista distante de qualquer sinal de antissemitismo contrasta com declarações que comparam atual ação em Gaza ao Holocausto. Para professora, mudança de postura do presidente reflete pressões políticas do PT e evidenciam a necessidade de uma linguagem cuidadosa e diplomática

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante visita ao Museu do Holocausto, em Jerusalém, em março de 2010 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Karina Stange Calandrin*

O recente comentário feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante uma coletiva de imprensa na Etiópia, comparando as ações militares de Israel em Gaza ao Holocausto, provocou uma significativa crise diplomática entre Brasil e Israel. Esse incidente ameaça minar as realizações diplomáticas de Lula e sua longa associação pessoal e política com Israel. As consequências desses comentários foram graves, com repercussões diplomáticas imediatas, incluindo a convocação do embaixador do Brasil para uma repreensão e as ações recíprocas tomadas pelo Brasil.

Analisando a história de Lula, é evidente que seus comentários não estão alinhados com suas ações anteriores e expressões de solidariedade tanto com Israel quanto com a comunidade judaica. Lula foi o primeiro presidente do Brasil a realizar uma visita oficial a Israel, ocorrida em 2010. 

‘A história política e pessoal de Lula passa pelas interações com grupos sionistas, repetidas afirmações do direito de Israel de existir em segurança e pintam um quadro de um líder que tem sido tudo menos antissemita’

A história política e pessoal de Lula passa pelas interações com grupos sionistas e condenações públicas da negação do Holocausto. Sua defesa de longa data por uma abordagem equilibrada do conflito israelense-palestino e suas repetidas afirmações do direito de Israel de existir em segurança pintam um quadro de um líder que tem sido tudo menos antissemita ou antissionista.

Surge então a questão: por que Lula teria feito comentários tão controversos e aparentemente desalinhados de sua posição tradicional? Para isso, precisamos analisar as potenciais influências internas e externas em sua decisão. Uma das explicações mais plausíveis reside na dinâmica interna do Partido dos Trabalhadores, o qual tem enfrentado crescentes críticas a Israel. Essa pressão interna pode ser intensa, especialmente para uma figura pública como Lula, que pode sentir a necessidade de alinhar suas declarações públicas com as visões de sua base política para manter o apoio e a coesão partidária.

Além disso, a política do Oriente Médio é notoriamente complexa e emocionalmente carregada. Lula, como líder global, está certamente ciente das nuances e da sensibilidade envolvidas ao abordar tais questões. No entanto, a tensão entre manter uma linha política equilibrada que reconheça os direitos e sofrimentos de ambas as partes no conflito israelense-palestino e a necessidade de atender às expectativas e convicções de seu partido e eleitores pode ter contribuído para a escolha de suas palavras durante a entrevista coletiva.

‘As declarações de Lula podem refletir uma tentativa de navegar entre pressões e responder à retórica crescente dentro de seu partido, com visões mais críticas sobre as políticas israelenses’ 

Este episódio sugere que as declarações de Lula podem refletir uma tentativa de navegar entre essas pressões. Embora sua fala tenha sido recebida com consternação e surpresa por muitos, dada sua história prévia de apoio a solução de dois Estados para o Conflito Israel-Palestina e a condenação do antissemitismo, ela pode ter sido um esforço para responder à retórica crescente dentro de seu partido e entre seus apoiadores, que podem ter visões mais críticas sobre as políticas israelenses. 

A resposta de Israel, particularmente a repreensão pública altamente divulgada do embaixador do Brasil, reflete a sensibilidade e a intensidade dos sentimentos em torno do Holocausto e do conflito em andamento em Gaza, e representou ainda mais a escalada da crise. O impasse diplomático resultou em uma situação em que duas nações, historicamente conectadas por laços positivos, encontram-se em um relacionamento tenso.

Em conclusão, este episódio serve como um lembrete potente das complexidades que cercam o discurso diplomático, a natureza volátil das relações internacionais e as tensões duradouras no Oriente Médio. Embora o registro anterior de Lula sugira que seus comentários recentes não refletem um antissemitismo arraigado ou uma oposição fundamental anti-Israel, eles, no entanto, levaram a uma mudança diplomática significativa com a política externa brasileira dos outros governos de Lula referente a este tema. Isso sublinha a necessidade de uma linguagem cuidadosa e diplomacia, especialmente em discussões que envolvem traumas históricos e conflitos em andamento. 

Se Lula optasse por pedir desculpas ou esclarecer seus comentários, poderia influenciar significativamente o futuro das relações Brasil-Israel e seu próprio legado diplomático que tanto se firmou no lugar de mediação, respeito à diplomacia e à paz internacional.


*Karina Stange Calandrin é professora de relações internacionais no no Insper e na Uniso, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP, doutora em relações internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e assessora acadêmica do Instituto Brasil-Israel

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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Karina Stange Calandrin é colunista da Interesse Nacional, professora de relações internacionais no Insper e na Uniso, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutora em relações internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).

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