10 janeiro 2025

Maduro toma posse na Venezuela

Após denúncias de fraude nas eleições e ampla contestação internacional, presidente venezuelano deve assumir um novo mandato em meio a um clima tenso e de grande repressão contra a oposição, criando um ambiente de incerteza para o país

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro (Foto: nicolasmaduro/Instagram)

Nicolás Maduro assume nesta sexta-feira (10) um novo mandato de seis anos como presidente da Venezuela, depois de uma eleição altamente contestada. A oposição mostrou boletins de urnas que indicariam uma folgada vitória de Edmundo Gonzalez, enquanto o governo Maduro se recusou a divulgar as atas das urnas. Antes das eleições, Maduro previu uma guerra civil, se não fosse reeleito.

A oposição venezuelana, liderada por Maria Corina Machado, prometeu que Gonzáles, exilado na Espanha, retornaria para tomar posse em Caracas, mesmo sabendo do risco de prisão. Maduro ofereceu US$ 100 mil para quem fornecer informações sobre a chegada de González à Venezuela.

‘Nos últimos dias, multiplicaram-se os acontecimentos relacionados com a posse presidencial’

Nos últimos dias, multiplicaram-se os acontecimentos relacionados com a posse presidencial. Gonzalez chegou à América do Sul e visitou Javier Milei em Buenos Aires, se encontrou com o presidente Lacalle Pou em Montevidéu, e desembarcou domingo em Washington, DC, onde manteve encontros com o presidente Joe Biden e com Mike Waltz, futuro assessor de segurança nacional de Donald Trump. Em Washington, Gonzáles também visitou a OEA, que deverá condenar a posse de Maduro.                                                                    

A Venezuela rompeu relações com o Paraguai, por ter conversado por vídeo e respaldado Gonzáles, e o Chile decidiu retirar o pessoal diplomático de Caracas. Os EUA reconheceram o opositor como o presidente legitimamente eleito, afirmando que “a campanha vitoriosa de Gonzáles deve ser honrada com um processo de transferência pacífica do poder nos ritos democráticos”. 

Brasil e Colômbia, que mantêm contato com Caracas, não foram visitados por Gonzáles. No Panamá, na quarta-feira, o opositor se encontrou com ex-presidentes do México, da Costa Rica, da Colômbia, da Bolívia e do próprio Panamá, para discutir a ideia de irem todos juntos à Venezuela no dia 10, e depois foi à República Dominicana.

‘O Brasil manteve a posição de não reconhecer a vitória de Maduro e até três dias antes da eleição não tinha sido convidado para a posse’

O Brasil manteve a posição de não reconhecer a vitória de Maduro e até três dias antes da eleição não tinha sido convidado para a posse. Havendo recebido o convite na antevéspera da posse, o governo brasileiro será representado pela embaixadora em Caracas, Glivânia Maria de Oliveira. 

O PT e o MST estarão presentes na posse, coerentes com a manifestação do Partido de reconhecimento da vitória de Maduro nas eleições presidenciais. A participação do Brasil na posse, segundo a visão do governo, não significa o reconhecimento da vitória de Maduro, mas a intenção de manter um canal aberto de comunicação com o novo governo, apesar das críticas feitas a Lula, acusado por Maduro de estar a serviço da CIA, o serviço secreto dos EUA. 

A crítica interna a essa decisão é inevitável pela incoerência na defesa interna da democracia e dos direitos humanos, ao decidir participar da posse ao lado do PT e do MST. “A representação do Brasil na posse de Maduro é uma forma explícita de chancela, aceitação e conivência institucional por parte do governo brasileiro. É o reconhecimento da legitimidade da posse”, diz o editorial do Estadão

‘A posse de Maduro hoje se realiza com alto grau de incerteza em relação aos acontecimentos internos na Venezuela’

A posse de Maduro hoje se realiza com alto grau de incerteza em relação aos acontecimentos internos na Venezuela, sobretudo, caso Gonzáles efetivamente desembarque no país, em Caracas, ou em outro ponto do território venezuelano. 

Maria Corina participou pessoalmente de manifestações políticas nesta semana contrárias ao regime em diversas partes do país, o que poderá representar nova onda de repressão violenta por parte do governo. Depois da soltura de diversos presos políticos, nos últimos dias, noticiou-se que o genro de Gonzáles teria sido sequestrado, e a casa da mãe de Maria Corina foi cercada por agentes de Maduro em novos atos repressivos. 

‘Na véspera da posse foi ampliada a presença ostensiva de forças de segurança, mas foram realizadas manifestações da oposição nas ruas de Caracas’

Na véspera da posse foi ampliada a presença ostensiva de forças de segurança, mas foram realizadas manifestações da oposição nas ruas de Caracas. Depois de participar das manifestações públicas, Corina foi interceptada violentamente e presa pelos agentes de Maduro, segundo denúncia feita pelo próprio Gonzáles. Em vista da rápida reação internacional, a detenção de Corina foi breve, e ela foi libertada.

A dez dias da posse de Donald Trump, pode-se esperar forte reação do novo governo de Washington, na linha do que já foi anunciado por Biden contra a posse de Maduro. No mínimo, deverá ocorrer o anúncio de novas sanções. Especula-se, por outro lado, que Trump – que não se pronunciou sobre a questão da posse de Maduro e nem recebeu Gonzáles – poderia iniciar diálogo com Caracas para reduzir o tráfico de drogas e o fluxo de imigrantes. Ex-ministros das Relações Exteriores da região publicaram manifesto condenando a posse de Maduro, apoiando Gonzáles e a volta à democracia e o respeito dos direitos humanos na Venezuela e o Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos denunciou ontem a repressão na Venezuela.  

Edmundo Gonzales insiste nas redes sociais na estratégia – difícil de se concretizar – de estimular uma divisão dos militares que estão apoiando Maduro. “ Nossa Força Armada Nacional está convocada a garantir a soberania e o respeito `a vontade popular”, afirmou ao pedir que as FFAA o ajudem a tomar posse.”É preciso terminar com uma cúpula que desvirtuou os princípios fundamentais morais de nossas FFAA, muitos já manifestaram vontade de mudança”. Como uma evidência da inviabilidade dessas estrategia, Maduro esta mobilizando inédito esquema militar de segurança para impedir demonstrações hoje e assegurar a posse presidencial sem maiores problemas.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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