24 maio 2023

Maiara Folly e João Cumarú: Um Novo Tempo nas relações Brasil-China

Visita de Lula a Pequim representou o ponto mais alto da política externa brasileira neste ano, elevando a relação bilateral a um novo patamar após quatro anos de relações tensas. Para pesquisadores, priorizar a agenda ambiental contribui para o bem-estar do planeta como um todo e eleva a influência dos dois países em um contexto internacional no qual a responsabilidade climática tornou-se um ativo geopolítico

Visita de Lula a Pequim representou o ponto mais alto da política externa brasileira neste ano, elevando a relação bilateral a um novo patamar após quatro anos de relações tensas. Para pesquisadores, priorizar a agenda ambiental contribui para o bem-estar do planeta como um todo e eleva a influência dos dois países em um contexto internacional no qual a responsabilidade climática tornou-se um ativo geopolítico

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping, no Grande Palácio do Povo, em Pequim (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Maiara Folly e João Cumarú*

Foi apropriado que a canção Um Novo Tempo, do músico brasileiro Ivan Lins, estivesse tocando ao fundo enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegava ao Grande Salão do Povo, em Pequim, para o seu encontro com o presidente Xi Jinping, em 14 de abril. A visita de Estado à China representou o ponto mais alto da política externa brasileira neste ano, elevando a relação bilateral a um novo patamar após quatro anos de relações tensas sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A visita rendeu 35 acordos, que marcaram o fortalecimento e diversificação da parceria entre os dois países para além de investimentos voltados a expandir as exportações de commodities brasileiras à China. O escopo dos acordos é extenso, abrangendo uma ampla gama de áreas e prioridades, como o uso de moedas locais em transações comerciais e a cooperação em agricultura de baixo carbono, mudanças climáticas, transição energética e projetos de infraestrutura.

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Notavelmente, cinco governadores de estados brasileiros se juntaram à delegação presidencial, ressaltando um interesse crescente de atores subnacionais em atrair investimentos e buscar oportunidades de parceria com a China.

‘A visita foi uma oportunidade para fortalecer a cooperação no enfrentamento de desafios comuns, como o combate à pobreza e a promoção da segurança alimentar, e abriu caminhos para que a China se torne um importante parceiro nos esforços do Brasil para reindustrializar a sua economia’

A visita também foi uma oportunidade para fortalecer a cooperação no enfrentamento de desafios comuns, como o combate à pobreza e a promoção da segurança alimentar, que são prioridades existenciais para ambas as nações. Além disso, abriu caminhos para que a China se torne um importante parceiro nos esforços do Brasil para reindustrializar a sua economia. Para isso, o governo brasileiro deve buscar uma colaboração ainda maior em pesquisa e desenvolvimento e explorar caminhos concretos para se beneficiar da transferência de tecnologia, especialmente em setores de crescente relevância estratégica, como economia digital, conectividade 5G, indústria de semicondutores, veículos elétricos e outras tecnologias de energia renovável.

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Um passo importante alcançado em Pequim foi a assinatura de uma declaração conjunta sobre o combate às mudanças climáticas. Este é um avanço significativo, pois demonstra o interesse político em elevar a parceria Brasil-China na promoção da proteção ambiental global, tanto por meio de esforços multilaterais quanto bilaterais. No âmbito multilateral, a declaração exortou os países desenvolvidos a honrarem suas obrigações não cumpridas de financiamento climático e enfatizou o desejo de ambas as nações de promover a cooperação Sul-Sul, inclusive com parceiros do Grupo dos 77 e da China, para avançar na implementação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e de seu Acordo de Paris.

‘Iniciativas ambientais ainda precisam ser traduzidas em políticas concretas, mas não deixam de ser conquistas promissoras, pois a China é hoje o maior importador de produtos brasileiros ligados ao desmatamento, como soja e carne’

A declaração também sinaliza algumas áreas que podem receber maior prioridade nas relações bilaterais, como a eliminação da exploração ilegal de madeira e do desmatamento a nível global, inclusive por meio do desenvolvimento conjunto de tecnologias como satélites de monitoramento florestal. Tais iniciativas poderão ser avançadas no âmbito da anunciada Subcomissão de Meio Ambiente e Mudança do Clima sob a égide da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Embora essas intenções ainda precisem ser traduzidas em políticas concretas, elas não deixam de ser conquistas promissoras, sobretudo quando se considera que a China é hoje o maior importador de produtos brasileiros ligados ao desmatamento, como soja e carne.

Quando se considera também o peso substancial de suas economias e sua posição como um dos países mais biodiversos do mundo, torna-se fundamental não apenas fortalecer a cooperação das duas nações nos esforços de preservação das florestas, mas que questões climáticas e ambientais estejam no centro de um novo tempo nas relações bilaterais Brasil-China. Priorizar essa agenda não só contribuiria para o bem-estar do planeta como um todo, mas também elevaria a influência dos dois países em um contexto internacional no qual a responsabilidade climática tornou-se um ativo geopolítico. .


*Maiara Folly é diretora executiva da Plataforma CIPÓ, um instituto de pesquisa dedicado a temas de clima, governança e relações internacionais. Folly lidera projetos de pesquisa e iniciativas de advocacy nas áreas de clima, crimes ambientais, paz e segurança, governança global e política externa. Obteve o mestrado pelo Departamento de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Oxford e formou-se em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro.

João Cumarú é pesquisador pleno na Plataforma CIPÓ e mestrando em olítica e diplomacia chinesa na SIRPA (复旦大学, Fudan University, China). Bacharel e mestre em ciência política pela UFPE. Pesquisador associado e curador de matrizes energéticas e meio ambiente da CEASIA UFPE.

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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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