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Interesse Nacional
23 março 2023

Não podemos combater o autoritarismo sem entender o fascínio do populismo

O populismo não acabou com as derrotas de Trump, Bolsonaro, Johnson e Duterte, e agora tem ambições mais maquiavélicas. Para cientistas políticos, a democracia só funciona quando é protegida por um sistema robusto de freios e contrapesos, massas de cidadãos engajados e um judiciário independente

O populismo não acabou com as derrotas de Trump, Bolsonaro, Johnson e Duterte, e agora tem ambições mais maquiavélicas. Para cientistas políticos, a democracia só funciona quando é protegida por um sistema robusto de freios e contrapesos, massas de cidadãos engajados e um judiciário independente

Os ex-presidentes dos EUA, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro, durante encontro na Casa Branca em 2019 (Foto: Isac Nóbrega/PR)

Por Daniel Drache e Marc D. Froese*

Os populistas de todo o mundo tiveram dois anos difíceis recentemente.

Donald Trump, nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro, no Brasil, e Boris Johnson, no Reino Unido, não estão mais no poder. Rodrigo Duterte, nas Filipinas, respeitou o limite constitucional de mandato de seu país, e o mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador também está deixando o cargo ao final de sua Presidência.

Até o canadense Pierre Poilievre repreendeu seus parlamentares por se encontrarem com um político alemão de extrema-direita.

Mas o populismo acabou? Dificilmente.

Os políticos populistas da onda mais recente tiveram sorte. Seu governo era baseado em personalidades superdimensionadas com muito carisma.

Os líderes da fase atual, porém, são mais espertos e suas ambições maquiavélicas são maiores. Nos EUA, uma dúzia ou mais de ultradireitistas recém-eleitos no Congresso estão tentando substituir Trump à frente do Partido Republicano na primeira oportunidade.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/daniel-buarque-mesmo-sem-trump-e-bolsonaro-populismo-continua-ameacando-a-democracia/

Populismo 2.0

O populismo concentrado de 2023 está a anos-luz dos sucessos inesperados de 2016. A mais nova classe de populistas de direita visa não apenas desmantelar as grades de proteção da democracia, mas também os princípios mais fundamentais do estado de direito.

‘Os populistas estão se movendo rapidamente e usando estratégias direcionadas para subordinar a ordem legal ao governo autoritário’

Este ataque está acontecendo em muitos países. Os populistas estão se movendo rapidamente e usando estratégias direcionadas para subordinar a ordem legal ao governo autoritário.

O ataque à independência judicial em Israel, a ocupação violenta da Suprema Corte e do Congresso no Brasil, a prisão e intimidação de jornalistas na Índia e a prisão de milhares de russos que se opunham à invasão assassina de Vladimir Putin na Ucrânia, tudo aconteceu no ano passado.

Pesquisas recentes mostraram que os cidadãos das democracias em todo o mundo acreditam cada vez mais que tanto o governo quanto a mídia são “forças divisivas na sociedade”.

Os especialistas em políticas ainda não sabem se o populismo é uma causa ou um sintoma da polarização. Independentemente disso, a confiança no processo democrático está se desgastando.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/por-que-o-populismo-tem-um-apelo-duradouro-e-ameacador/

O “indivíduo fascista”

Em seu livro de 1950, The Authoritarian Personality, o sociólogo alemão Theodor Adorno argumenta que há um desejo inerente de domínio no fundo da psique humana. Adorno estava à frente de seu tempo ao explorar a psicologia do “indivíduo potencialmente fascista” adormecido dentro de nós.

Mais de 70 anos depois, os cientistas sociais ainda não explicaram o magnetismo do abismo – um termo que descreve a disposição de algumas pessoas de adotar políticas imprudentes, independentemente das consequências explosivas para suas sociedades.

Para lidar com essa capacidade de delírio, os psicólogos contemporâneos se voltaram à ideia de que existem certas formas de pensar que criam uma visão distorcida do mundo.

‘Cientistas sociais estão identificando a ligação entre uma visão de mundo vingativa e extremismo político, abuso online e discurso de ódio’

A pesquisa sobre maquiavelismo, narcisismo e psicopatia, a chamada tríade obscura de traços de personalidade anti-social, baseia-se nos importantes insights de Adorno. Cientistas sociais agora estão identificando a ligação entre uma visão de mundo vingativa e extremismo político, abuso online e discurso de ódio.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-ataque-golpista-no-brasil-e-um-reflexo-do-descredito-da-democracia-em-nivel-global/

As máscaras de comando

Cada líder autoritário é diferente, limitado apenas por seu antiliberalismo, traços da  tríade obscura e sua celebração como líder de um circo populista.

Em nosso livro recente, Has Populism Won?, mostramos como os líderes carismáticos encorajam uma forma de totalitarismo na qual a fidelidade cega cria um sentimento de pertencimento partidário. Para realizá-lo, os líderes usam o que chamamos de “máscaras de comando” para reunir seus seguidores.

‘O conspirador usa favores, relacionamentos e dinheiro para desestabilizar instituições e corroer as normas que impedem a autocracia’

Em nossa avaliação, os líderes que criam teias de mentiras usam a máscara de “conspirador-chefe”. O conspirador usa favores, relacionamentos e dinheiro para desestabilizar instituições e corroer as normas que impedem a autocracia.

Benjamin Netanyahu, de Israel, confia na máscara do comandante de “primeiro cidadão do império” quando argumenta que a solução para a polarização social é um poder mais personalizado.

O primeiro cidadão sempre deseja menos freios e contrapesos. Por exemplo, Netanyahu quer politizar as nomeações judiciais e reduzir a supervisão da Suprema Corte de Israel. Tudo visa minar a autonomia dos juízes que têm a responsabilidade de proteger a constituição de Israel.

Johnson e Trump frequentemente usavam a máscara agressiva de “defensor nacional”. Como falsos tribunos do povo, eles usaram a imigração como arma em seu próprio benefício.

Para Trump, a América estava cercada por exércitos de refugiados da América Latina. Para Johnson, o Reino Unido precisava erguer a ponte levadiça para os migrantes do leste europeu. O fanático defensor nacional sempre exagera nas ameaças externas.

O “santo cruzado” é ainda mais ambicioso porque acredita que pode mudar toda a ordem internacional para devolver a grandeza à sua nação.

Por exemplo, Putin é um belicista que usa a beligerância imperialista para disfarçar o declínio de sua nação. Ele vende agressivamente a ilusão de um século eurasiano.

Apoiado pela China, ele luta com o velho inimigo da Rússia, o capitalismo ocidental, para restaurar o status de superpotência de Moscou.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/de-trump-a-putin-por-que-as-pessoas-sao-atraidas-por-tiranos/

O espetáculo do autoritarismo

Esses políticos jogam para eleitorados cansados e audiências cativas que recompensam a grandiosidade e a xenofobia porque o partidarismo preenche o vazio deixado pela ausência de uma comunidade nacional genuína.

Essas máscaras xamânicas têm sido um dos pilares dos populistas.

Para muitos observadores contemporâneos, a ideia de uma personalidade autoritária é antiquada. Nós discordamos. O que Adorno e seus contemporâneos fizeram foi inovador. Eles esclareceram por que algumas pessoas preferem o autoritarismo mesmo quando isso vai contra seus interesses.

Então, como se opor ao extremismo?

Como cientistas políticos, acreditamos que a democracia só funciona quando é protegida por um sistema robusto de freios e contrapesos, massas de cidadãos engajados e um judiciário independente. Todo populista que promete destruir o governo para salvá-lo está mentindo para ganho pessoal. É simples assim.

Em seu livro The Spirit of Democracy, o cientista político Larry Diamond, da Universidade de Stanford, argumenta que o destino da democracia depende da paixão do povo em defendê-la de seus inimigos. Mas hoje a paixão do povo está nas garras dos populistas de extrema-direita.

O Canadá ainda está experimentando as ondas de choque do chamado comboio da liberdade.

No entanto, não devemos ser complacentes com a realidade imediata de que mais consequências radioativas da política americana estão vindo em nossa direção. Isso exige uma resposta urgente.


*Daniel Drache é professor emérito do departamento de Política da York University, Canada

Marc D. Froese é professor de ciência política e diretor fundador do programa de Estudos Internacionais na Burman University


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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Democracia 🞌 Política 🞌 Populismo 🞌

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