11 outubro 2024

O Brasil que saiu das urnas

Eleições municipais revelaram tendências que influenciarão a política nacional, com a emergência de um forte sentimento anti-establishment e a limitação da polarização entre Lula e Bolsonaro, sugerindo um cenário futuro mais conservador e desafiador para o sistema político

Movimentação de eleitores na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo nas eleições municipais de 2024 (Foto: Paulo Pinto/Agencia Brasil)

As eleições municipais são importantes no sistema político brasileiro pela influência que as bases, inclusive vereadores e prefeitos, têm nas eleições para o Congresso Nacional e para as Assembleias Legislativas. Normalmente essas eleições não têm maior influência nas eleições majoritárias para os governos estaduais e para a Presidência da República.

Os resultados das eleições de 6 de outubro mostraram algumas tendências relevantes que irão influir nas evolução política nacional:

1. Emergência do sentimento anti-establishment

A significativa votação de Pablo Marçal (1,7 milhão de votos) indica o aparecimento de um sentimento anti-sistema muito forte e a afirmação de uma liderança jovem, articulada com pretensão de continuidade na política.

O futuro de Marçal, mesmo punido pela justiça eleitoral, deverá propiciar lances perigosos para o sistema democrático pelo radicalismo das propostas e pela sua aceitação por uma parcela importante dos votantes.

Esse grupo da direita, saindo do bolsonarismo, deverá enfrentar a esquerda radical. Dificilmente apoiará qualquer candidato da esquerda, pelo sentimento anti-petista.

2. Limites da polarização

A previsão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva segundo a qual a eleição em São Paulo seria entre ele e o ex-presidente Jair Bolsonaro não se concretizou.

A divisão da direita bolsonarista e a ausência de Lula nas principais campanhas atenuaram a polarização política. A radicalização ficou por conta da eleição em SP pela presença de Pablo Marçal

Ficaram evidentes igualmente os limites da influência política de Lula e Bolsonaro pela reduzida transferência de votos para os candidatos que apoiaram

A influência dos evangélicos também ficou limitada, não tendo sido uma questão relevante durante a campanha eleitoral.

3. Fortalecimento de partidos de centro e centro-direita

A direita está no Brasil para ficar. Na eleição, ficou clara a diferença entre os bolsonaristas radicais e o movimento de direita moderada (centro e centro-direita).

O PL, partido do ex-presidente, foi o que mais cresceu em termos de votos (15,7 milhões), mas os partidos de centro representados pelo PSD, de Gilberto Kassab, e pelo MDB receberam 14,5 milhões e 14,4 milhões, respectivamente.

O PSD foi o partido que ganhou mais prefeituras no Brasil (878). Em 2020, a sigla com mais prefeituras era o MDB, que agora fica em 2º lugar com 847, e PP, com 743; o PT de Lula teve 248 vitórias e ocupa 9ª posição no ranking.

Foram eleitos 469 candidatos que se apresentaram como ligados a evangélicos e outras religiões e 153 como ligados aos militares (Forças Armadas e polícia).

O centro, com o MDB, PP e PSD, cresceu e manteve a liderança no número de vereadores (um em cada três vereadores eleitos no país). Os partidos União Brasil, Republicanos e PL completam a lista das seis primeiras legendas mais votadas no país. Esses partidos têm quase metade dos legislativos municipais.

4. Enfraquecimento do PT e da esquerda

O PT, embora tenha tido um ganho líquido no número de prefeituras (em relação à eleição anterior) não ganhou em nenhuma capital em todo o país. A liderança do partido ficou enfraquecida no Nordeste e no ABC paulista, tradicionais redutos petistas.

A liderança do presidente Lula ficou desgastada pela ausência do presidente nas principais campanhas e sobretudo pelo enfraquecimento de sua influência eleitoral em todo o país.

Ficou evidente que a narrativa do partido está superada, e a ausência de renovação nas lideranças e no discurso são problemas para os próximos anos.

Na Federação Brasil Esperança (PT, PCdoB e PV), apenas do PT cresceu, e passou de 179 para 248 prefeituras.

A Federação PSOL-Rede elegeu apenas quatro prefeitos (contra nove em 2020). O PSOL não elegeu nenhum prefeito no primeiro turno.

5. Surgimento de novas liderança com potencial nacional

Algumas lideranças regionais foram confirmadas e despontam com líderes da nova geração de políticos nacionais

João Campos (eleito prefeito do Recife), Eduardo Paes (reeleito prefeito do Rio), Tabata Amaral, Guilherme Boulos, Pablo Marçal (com futuro político e eleitoral incerto pelos 220 processos que terá de enfrentar) e especialmente Tarcisio de Freitas, estão entre esses novos nomes. 

6. Desaparecimento do PSDB 

O PSDB ficou ainda mais enfraquecido nacional e regionalmente. Perdeu quase 250 prefeituras, nacionalmente (caiu de 512 para 269). Em São Paulo, principal base do partido, Datena teve 1,8% dos votos, e o partido não elegeu nenhum vereador para a Câmara Municipal.

Em 2020, o PSDB recebeu 10,6 milhões de votos. Em 2024, foram 4,7 milhões.

A Federação PSDB-Cidadania elegeu 302 prefeitos. Em 2020 as duas legendas elegeram 651.

 7. Redes sociais

Mais do que o fundo partidário e o tempo de TV, as redes sociais tiveram crescente influência nas eleições.

Essas e outros fatores indicam que na eleição presidencial, para os governos estaduais e para a renovação da totalidade da Câmara e de dois terços do Senado vai haver uma forte tendência de confirmação das forças de centro e centro-direita.

Caso isso ocorra, a Presidência da República poderá mudar mais uma vez de sinal, com a possibilidade de forte candidatura de uma direita moderada, com um Congresso mais conservador e com uma grande renovação nos governos estaduais mais à direita.

Esse cenário trará a partir de 2027 grandes desafios para o sistema político nacional, especialmente se o apoio a candidatos antissistema se fortalecer.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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