O desafio do Paraguai para a política externa brasileira
Proximidade entre o governo de Donald Trump e o país sul-americano pode afetar os interesses do Brasil na região

A movimentação política e diplomática do governo do Paraguai, em completo alinhamento com os EUA, coloca sérios desafios para a política externa brasileira.
Empresas industriais brasileiras têm forte presença no Paraguai beneficiando-se da taxação reduzida, do baixo custo da energia e das baixas tarifas contra produtos de origem no país. Mais de 1.000 empresas brasileiras estão instaladas no Paraguai e, com a taxação de 50% para produtos brasileiros, é de se prever que novas empresas nacionais deverão se instalar em território paraguaio para exportar para os EUA.
Na agricultura, grande parte da soja e outros produtos é produzida por brasileiros e exportada por portos brasileiros. A binacional Itaipu, um dos símbolos da integração regional, o Mercosul e a hidrovia Paraná-Paraguai tornam o país um parceiro importante do Brasil na energia e no comércio exterior.
‘Com Trump, está em desenvolvimento uma estreita parceria entre os EUA e o Paraguai que poderá ter sérias implicações para os interesses brasileiros’
Com Trump na presidência em Washington, está em desenvolvimento uma estreita parceria entre os EUA e o Paraguai que poderá ter sérias implicações para os interesses brasileiros.
O Departamento de Estado, chefiado por Marco Rubio, senador da Flórida, ultraconservador, primeira geração de cubanos que saíram de Cuba, está tomando medidas concretas para fortalecer os governos de direita (El Salvador, Paraguai, Argentina e agora a Bolívia) e tentar reverter a tendência pendular de governos de esquerda na região para influir nas eleições para eleger governos alinhados às políticas de Washington, “para construir um hemisfério mais seguro, mais forte e mais prospero”.
‘O governo Santiago Peña no Paraguai, desde o início do governo Trump, se aproximou dos EUA, por meio de contato direto com Marco Rubio’
O governo Santiago Peña no Paraguai, desde o início do governo Trump, se aproximou dos EUA, por meio de contato direto com Marco Rubio. O ministro do Exterior do Paraguai apresentou-se como candidato a assumir a secretaria geral da OEA com o apoio dos EUA. Houve articulação contrária a essa candidatura, inclusive do Brasil, e foi eleito o representante do Suriname, depois do ministro paraguaio retirar sua candidatura.
Aproveitando as afinidades ideológicas entre os dois governos, o Departamento de Estado, de maneira proativa, negociou e assinou, nos primeiros meses de governo, acordos com o Paraguai em diferentes frentes:
- criação de uma base na fronteira com o Brasil contra o Hezbollah. O Paraguai terá um centro antiterrorista, com agentes treinados por agentes do FBI para recolher informações de inteligência contra o Hezbollah na tríplice fronteira com o Brasil e a Argentina;
- acolhimento de asilados de outros países residentes nos EUA (Safe Third Countries Agreement);
- parceria estratégica em segurança, diplomacia e economia, em especial no combate ao crime transnacional, estabilidade regional (mencionada no referido acordo),
- cooperação em energia, mineração e tecnologia (também mencionado no acordo).
Nesse contexto, chamam a atenção declarações de Marco Rubio sobre a possibilidade de intervenção de Washington na utilização da energia da binacional Itaipu para a instalação de data centers, em função do excedente de energia e seu baixo custo.O que significaria usar a infraestrutura energética do Paraguai como insumo para Big Techs.
Para o Brasil, caso isso ocorra, poderia dificultar a negociação do anexo C do Tratado que criou Itaipu, no tocante à prioridade da venda ao Brasil da energia que não for consumida no Paraguai, na hipótese de os EUA quererem comprar essa parte da energia.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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