O isolamento do Brasil no governo Bolsonaro
Artigo sintetiza os principais temas abordados na obra ‘Política Externa Brasileira em Tempos de Isolamento Diplomático’, que reúne capítulos de diversos autores tendo como ponto de união entre os textos o crescente isolamento diplomático do Brasil durante o terceiro ano do governo Jair Bolsonaro.
Artigo sintetiza os principais temas abordados na obra ‘Política Externa Brasileira em Tempos de Isolamento Diplomático’, que reúne capítulos de diversos autores tendo como ponto de união entre os textos o crescente isolamento diplomático do Brasil durante o terceiro ano do governo Jair Bolsonaro
Por Ana Tereza L. Marra de Sousa, Diego Araujo Azzi e Gilberto M.A. Rodrigues*
O foco da obra que aqui apresentamos é a política externa do governo brasileiro sob Jair Bolsonaro, em especial no ano de 2021, marcado, como mostramos, pelo aprofundamento do isolamento diplomático do Brasil na política internacional. A saída de Donald Trump da presidência dos EUA, que representou a perda do principal aliado ideológico de Bolsonaro na cena internacional, e a escolha por perseverar na política externa tendo como base valores de extrema direita e interesses de setores conservadores afastou o Brasil de posições as quais tradicionalmente defendeu nas negociações multilaterais e, ademais, escancarou a inadequação de sua atuação a respeito de parceiros bilaterais importantes, como os EUA, a UE e a China, e com regiões específicas, como a América Latina e a África.
Cada capítulo do livro foi produzido por pesquisadores/as – docentes e discentes de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do ABC (UFABC) –dos Grupos de Trabalho (GT) que compõem o Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB), tendo como base os textos das newsletters que o OPEB editou ao longo de 2021– em parceria com a Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES) Brasil. A problemática que aproxima capítulos de temas amplos e variados é o crescente isolamento internacional do país, como consequência de suas próprias ações político-diplomáticas, sejam elas no âmbito da diplomacia presidencial, ou no seio de um desfigurado Ministério das Relações Exteriores (MRE).
No capítulo sobre Inserção Econômica do Brasil, coordenado por Giorgio R. Schutte, constata-se a reprimarização e desindustrialização prematura do país –inclusive com privatização no governo Bolsonaro de ativos estratégicos nacionais controlados por empresas estatais–, e a persistência em um modelo agroexportador que agride o meio ambiente. Argumenta-se que o Brasil tem ido na contramão de duas importantes tendências internacionais, por um lado, de preocupação com questões ambientais e, por outro, de retomada do papel do Estado como indutor do desenvolvimento.
Já o capítulo de Comércio Internacional, coordenado por Lucas Tasquetto, indica a desconstrução da política brasileira no campo da saúde e da propriedade intelectual, com o Brasil sendo contrário ao waiver na OMC para suspensão temporária de direitos de propriedade intelectual para vacinas, tratamentos e testes relacionados a Covid-19. Com seu voto contrário, o Brasil afastou-se de pleitos dos países em desenvolvimento –os quais até antes do governo Bolsonaro, era protagonista em defender– para abraçar posições estranhas ao histórico brasileiro, o que isolou ainda mais o país e abalou a liderança mediadora que tradicionalmente exerceu dentre os países do Sul Global.
O capítulo sobre Meio Ambiente, Clima e Agricultura, coordenado por Diego A. Azzi e Olympio Barbanti Jr., mostra a inadequação das políticas ambientais e climáticas brasileiras perante a sociedade e o mundo, o isolamento internacional do país e perda de protagonismo em negociações multilaterais. Argumenta-se aí que as questões ambientais têm sido centrais no governo Bolsonaro, mas com uma importância de cunho negativo: pela estratégia de retirada de poder das políticas de proteção e pelo incentivo para ocupação de áreas sensíveis, sem considerar demandas de conservação e a proteção de povos originários e comunidades tradicionais. Como consequência, enfatiza-se o desastre diplomático que tem sido o desempenho do governo Bolsonaro em tal tema, com o Brasil sendo destaque não somente pelo desmatamento recorde mas também como um dos países que mais mata ativistas ambientais no mundo –perdendo progressivamente o ativo de liderança cooperativa nas negociações ambientais que veio construindo a duras penas nas últimas décadas.
No capítulo sobre direitos humanos, coordenado por Gilberto M. A. Rodrigues, enfatiza-se que, atualmente, não é possível afirmar que exista uma política externa de direitos humanos no país, uma vez que o Brasil tem atuado para desarticular direitos básicos, principalmente de minorias, e se aliado a outros governos de ultradireita no mundo na defesa de pautas regressivas e contrárias à trajetória histórica do Brasil no tema. Mais isolado internacionalmente pelo término do governo Trump, e fazendo acenos a líderes políticos ultraconservadores, acelerou-se a desconstrução dos direitos humanos representado em 2021 pela continuidade do desastre que foi a gestão da pandemia de Covid-19 em território nacional.
Por sua vez, o capítulo de segurança e defesa, coordenado por Flávio Rocha, evidencia a atuação dos militares brasileiros na esfera interna e internacional, destacando a perspectiva de aproximação deles com os EUA, e as incertezas quanto ao papel a ser desempenhado por esse estamento no cenário político nacional, com consequências para a política externa e a confiança internacional sobre o país. Argumenta-se que o papel político crescente que as Forças Armadas vêm desempenhando no governo Bolsonaro, e a vontade manifesta de se colocarem como um poder moderador da nação, tem sido um objetivo de longo prazo das instituições militares que, contudo, choca-se ao seu papel constitucional e cria dificuldades para a preponderância do poder civil.
Na análise de determinadas relações bilaterais importantes para o país, o capítulo de relações Brasil-EUA, coordenado por Tatiana Berringer, indicou as mudanças na política externa brasileira em face à derrota de Donald Trump e à ascensão de Joe Biden à presidência dos EUA, destacando-se, de um lado, a diminuição do alinhamento do país à política externa estadunidense e, de outro, as adequações de comportamento externo do país visando remediar o isolamento internacional a que ficou submetido com a derrota eleitoral trumpista. Contudo, destaca-se que várias fontes de conflito emergiram, sendo uma das principais as discordâncias sobre política ambiental.
O capítulo de relações Brasil-China, coordenado por Ana Tereza L. M. de Sousa, destaca que mudanças no panorama externo e necessidades internas, principalmente após a saída de Ernesto Araújo do Itamaraty, levaram a uma busca por maior conciliação com a China e a uma diminuição de tensões nas relações diplomáticas. Contudo, argumenta-se que ainda permaneceram contradições a respeito da China dentro do governo Bolsonaro, destacando-se uma falta de planejamento das relações bilaterais diante do cenário de profunda interdependência econômica com a China.
Com relação à política externa do Brasil para outras regiões, o capítulo de relações Brasil-África, coordenado por Flávio Francisco e Mohammed Nadir, revelou os impasses da agenda brasileira para a África, destacando as dificuldades de dinamizar a pauta econômica diante de uma política externa que tem sido mobilizada por Bolsonaro, como no caso de Angola e África do Sul, para atender sua base política interna, em especial os grupos neopentecostais. Já o capítulo de relações Brasil-América Latina, coordenado por Gilberto Maringoni, destacou a possível mudança no pêndulo político continental: as eleições de López Obrador, no México, Alberto Fernández, na Argentina, Luís Arce, na Bolívia, Pedro Castillo, no Peru, Xiomara Castro, em Honduras, a resistência do governo Nicolás Maduro na Venezuela, o processo constituinte no Chile, além da alta popularidade de Lula no Brasil poderiam ser indicativos de um novo avanço progressista e maior isolamento de Bolsonaro na região.
No posfácio à obra, o diplomata Antonio Cottas J. Freitas, idealizador do Instituto Diplomacia para Democracia, contribuiu para a composição de um quadro de reflexão sobre os horizontes de uma nova política externa brasileira, pós-bolsonarista. Embora reconstruir a inserção internacional do Brasil em bases progressistas e democráticas não seja uma tarefa simples, o texto de Freitas nos brinda com um diagnóstico preciso dos problemas e desafios a enfrentar, além de trazer esperança e propostas para o futuro do Brasil no mundo.
Por fim, cabe registrar que o livro é resultado do esforço coletivo de extensão e pesquisa de docentes e estudantes da graduação e pós-graduação da UFABC –em especial do Bacharelado em Relações Internacionais (BRI) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PRI)– organizados em torno do OPEB. O Observatório foi criado no início de 2019 por um grupo de professores e discentes do BRI UFABC com o objetivo de acompanhar e analisar de forma sistemática a nova dinâmica internacional do Brasil. A obra aqui apresentada é o terceiro livro que publicamos sobre a política externa brasileira no governo Jair Bolsonaro[i] na expectativa de contribuir para a compreensão científica deste peculiar período da história do Brasil.
*Ana Tereza L. Marra de Sousa, Diego Araujo Azzi e Gilberto M.A. Rodrigues são professores da UFABC no Bacharelado em Relações Internacionais (BRI), no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PRI) e coordenadores do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB) da UFABC, na gestão 2020-2021.
[i] Os outros dois livros, que podem ser consultados no site do OPEB (opeb.org), são os seguintes: i) “As Bases da Política Externa Bolsonarista” (2021), publicado pela editora UFABC, organizado por Gilberto Maringoni, Giorgio Romano Schutte e Tatiana Berringer; ii) “A política externa de Bolsonaro na pandemia” (2020), publicado pela FES, organizado por Ana Tereza Marra, Diego Azzi e Gilberto M. A. Rodrigues.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
O portal Interesse Nacional é uma publicação que busca juntar o aprofundamento acadêmico com uma linguagem acessível mais próxima do jornalismo. Ele tem direção editorial do embaixador Rubens Barbosa e coordenação acadêmica do jornalista e pesquisador Daniel Buarque. Um dos focos da publicação é levantar discussões sobre as relações do Brasil com o resto do mundo e o posicionamento do país nas relações internacionais.
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