O mundo não vai esperar pelo Brasil
Acordos de comércio em negociação pelo Brasil enfrentam bloqueios e lentidão, enquanto outros países, como a Índia, avançam em seus acertos internacionais. Para embaixador, o modelo de entendimento entre Nova Delhi e o Reino Unido pode ser exemplo a ser seguido
Enquanto o acordo de livre comércio do Mercosul com a União Europeia está há mais de 20 anos sendo negociado, sem que se possa chegar a uma conclusão, outros países, mais eficientes, estão avançando em suas conversações com vistas a assinar acordos comerciais.
O Reino Unido propôs negociar um acordo de livre comércio com o Brasil, mas a questão não evoluiu. Como contraponto, desde 2022 o Reino Unido e a Índia iniciaram discussões sobre um acordo comercial, e as negociações, nos últimos meses, têm se acelerado com vistas a concluir os entendimentos.
Segundo o ministro do comércio da Índia, “há poucas questões pendentes, e o acordo está próximo de ser finalizado”. O governo britânico, de outro lado, informa que um dos pontos pendentes é o pedido da Índia para ser isenta, como país em desenvolvimento, do mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM), imposto a ser cobrado de empresas que exportam produtos que, na sua fabricação, emitem gases de efeito estufa, como é o caso do aço, do vidro e de fertilizantes exportados pela Índia.
Qualquer que seja a decisão do pedido indiano, a controvérsia estará criada, porque a ideia por trás da taxa é não só reduzir as emissões de gás carbono mas também apoiar os produtos britânicos de aço, com a compensação das empresas exportadoras que não pagam em seus países a taxa ou pagam taxa menor do que a aplicada no Reino Unido. As negociações haviam sido encerradas antes das eleições gerais na Índia, mas a pedido de Nova Delhi foram reabertas para discutir a isenção da CBAM.
A questão dos vistos para trabalhadores indianos e um acordo de previdência social também ainda não foram resolvidos. Em março passado, o governo da Índia assinou um acordo de livre comércio com a EFTA, área de livre comércio da Europa, um bloco integrado pela Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein, depois de 16 anos de negociações.
A negociação entre a Índia e o Reino Unido é um bom exemplo para o Brasil nas conversas com a União Europeia. A Índia é reconhecida como um país que negocia duramente na área comercial na defesa de seus interesses. As restrições unilaterais impostas pela UE, em relação ao desmatamento nas florestas, e a taxa de compensação no tocante às emissões de gás carbono, que afetam um bom número de produtos agrícolas e industriais brasileiros, deveriam estar sendo contestadas e, se o pedido da Índia prevalecer nas negociações, o Brasil terá de negociar idêntico tratamento.
Resta saber se os entendimentos entre o Mercosul e a UE vão ser retomados com vistas à conclusão do acordo. O governo brasileiro teria de se manifestar claramente sobre a conclusão das negociações e sobre a questão das restrições comerciais unilaterais da UE a luz do acordo comercial
Enquanto isso, as negociações comerciais entre outros países avançam. O mundo não vai esperar pelo Brasil.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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