17 abril 2025

O porto de Chancay

O Porto de Chancay, inaugurado com capital chinês no Peru, pode transformar a logística do comércio Brasil-China. Com acesso mais direto ao Pacífico, produtores do Acre e do Centro-Oeste ganham em tempo, custo e competitividade. O terminal, parte da estratégia global da China, também pressiona o Brasil a acelerar obras de integração rodoviária e ferroviária para aproveitar plenamente essa nova rota estratégica.

O pporto de Chancay, na costa do Oceano Pacífico, recebeu investimento de 1,3 bilhão de dólares e tem capacidade para ser o mais movimentado da América do Sul (Foto: Marcos Vicentti/Secom/Acre)

O terminal portuário multipropósito de Chancay, localizado a 80 Km de Lima (Peru), na província de Huaral, numa área de 141 hectares, foi inaugurado pelos Presidentes Xi Jinping e Dina Baluarte, em 14 de novembro de 2024. O investimento total previsto é de US$ 3,7 bilhões.

O Plano Maestro do porto prevê a construção de 12 berços de atracação em quatro fases. A primeira fase, inaugurada no ano passado, permite a movimentação de 1 milhão de teus/ano nos quatro berços construídos.

‘Espera-se que o novo porto chegue a movimentar 6 milhões de teus/ano, mais do que Callao, maior do Peru, que movimenta apenas 2,5 milhões de teus/ano’

Concluídas as três fases subsequentes, espera-se que o porto chegue a movimentar 6 milhões de teus/ano. Para efeito de comparação, o porto de Callao, o maior do Peru, movimenta apenas 2,5 milhões de teus/ano. Já Santos, em 2024, ultrapassou, pela primeira vez, a marca de 5,4 milhões de teus.

O Plano Maestro contempla, igualmente, a construção de uma Zona de Atividade Logística e Industrial (Chancay Park). Essa etapa ainda não foi iniciada, em razão de o Congresso peruano não ter aprovado o pacote legislativo que oferecerá benefícios fiscais às empresas que se instalarem no parque.

A ideia de desenvolver um terminal portuário próximo a Lima, alternativo ao porto urbano de Callao, foi concebida há mais de 20 anos pelo almirante Juan Ribaudo, da Marinha de Guerra peruana. Em 2011, a empresa de mineração Volcan se interessou pelo projeto e tornou-se sócia de Ribaudo. Como resultado, foi criado o consórcio “Terminales Portuarios Chancay” (TPCh). Em 2013, o grupo chegou a elaborar o Plano Maestro do Terminal Multipropósito de Chancay, mas não houve continuidade por falta de financiamento para a obra. Diante dessa situação, em 2016 a Volcan adquiriu os 100% das ações da TPCh e iniciou a prospecção por um futuro investidor. Em 2019, a Cosco Shipping Ports Limited expressou interesse pelo projeto e adquiriu 60% das ações. Os 40% restantes foram mantidos pela Volcan, proprietária do terreno e especializada na extração e exportação de cobre.

‘O porto de Chacay foi construído graças ao capital chinês’

O porto de Chacay foi, portanto, construído graças ao capital chinês, com base num Plano Maestro originalmente elaborado pelo Almirante Juan Ribaldo e posteriormente modificado pela empresa Cosco, de modo a adequar a estrutura portuária aos interesses geopolíticos chineses.

Quais são os interesses da China? Chancay se insere na chamada Belt and Road Initiative [Cinturão e Rota], estratégia que visa a conformar um mercado integrado por meio de moderna infraestrutura, capaz de assegurar os insumos necessários à construção de uma economia dinâmica e de alta tecnologia.

Almeja, igualmente, fortalecer os laços comerciais com a América do Sul e posicionar a China como parceiro logístico chave, ao diminuir a dependência do Canal do Panamá e dos portos de trânsito (Callao, Buenaventura, Manzanillo e Los Angeles), e estabelecer uma rota direta Chancay-Xangai (redução em 12 dias do tempo atual de viagem, dada a eliminação das escalas).

Como o porto de Chancay dispõe de uma profundidade natural de 17,8 metros, estão, também, dadas as condições para receber embarcações de grande porte, do tipo Post Panamax de 15.000 teus e, sobretudo, os Triple E, de 18.000 a 20.000 teus. A Cosco Shipping Lines disponibilizou para a rota Chancay-Xangai navios da classe Cosco Shipping Universe, de até 21.000 teus.

‘Com acesso direto ao continente sul-americano e controle total da logística interna e marítima, a China não só fortalece o controle de algumas cadeias de suprimento, mas também se posiciona para exportar produtos manufaturados acabados para mercados sul-americanos’

Com acesso direto ao continente sul-americano e controle total da logística interna e marítima, a China não só fortalece o controle de algumas cadeias de suprimento de insumos e produtos alimentícios (cobre, grãos, pescado e frutas), mas também se posiciona para exportar produtos manufaturados acabados para o Peru e demais mercados sul-americanos. Não se descarta, tampouco, a possibilidade de que alguns itens venham a ser produzidos no Parque Industrial, com o uso de mão de obra peruana e insumos locais.

No processo de construção da primeira fase do porto, chamou a atenção o questionamento da Autoridade Portuária Nacional (ANP). Embora as obras iniciais de Chancay tivessem sido realizadas no entendimento de que se tratava de um porto privado de uso público, pela legislação vigente a Cosco não poderia ter uso exclusivo das instalações portuárias.

Para a ANP, as embarcações peruanas também deveriam ter acesso. Contudo, ante a ameaça chinesa de interromper a obra, o Congresso peruano aprovou, em 30/5/24, a Lei 32048 (Lei do Sistema Portuário). Ficou, assim, estabelecido que uma entidade privada, ainda que não tivesse negociado um contrato de concessão portuária, poderia operar exclusivamente o porto por meio de um acordo de habilitação. A partir desse entendimento, a Cosco passou a gozar de direito exclusivo de uso do porto de Chancay por um período de 30 anos, com a possibilidade de o direito ser ainda renovado.

Pela Lei 32049, que modificou o Decreto Legislativo 1413, ficou, igualmente, autorizado que o tráfego marítimo de cabotagem no Peru venha a ser realizado por empresas nacionais ou companhias constituídas no exterior (leia-se Cosco).

‘Caso venha a ser explorado por empresas nacionais, permitiria que os produtores do Acre e do Centro-Oeste possam se beneficiar da expressiva redução do tempo e custo para colocar seu produto no mercado chinês’

Quais são as vantagens que o porto de Chancay oferece às empresas brasileiras? Caso venha a ser explorado por empresas nacionais, permitiria que os produtores do Acre e do Centro-Oeste possam se beneficiar da expressiva redução do tempo e custo para colocar seu produto no mercado chinês. Asseguram-se ganhos de competitividade pela proximidade geográfica, pelas vantagens de custo decorrente da conexão direta com Xangai e por menor congestionamento portuário.

No caso do Acre e Rondônia, a construção da ponte sobre o Rio Madeira, em Abunã (RO), e o asfaltamento da BR-317, além do futuro anel viário Brasileia-Epitaciolândia, são iniciativas que facilitam o acesso rodoviário ao porto de Chancay, na costa do Pacífico. Do mesmo modo, a integração ferroviária Brasil-Bolívia e o acesso aos portos de Ilo ou Matarani, no sul do Peru, seria uma alternativa que beneficiaria os estados do Centro-Oeste.

‘A construção de um corredor rodoviário ou ferroviário pode reduzir em até 7 mil quilômetros a distância percorrida pelos produtos brasileiros para alcançar o continente asiático’

De fato, a construção de um corredor rodoviário ou ferroviário pode reduzir em até 7 mil quilômetros a distância percorrida pelos produtos brasileiros para alcançar o continente asiático. Os produtores acreanos estão apenas a 1.887 Km de Chancay, ou seja, muito mais próximos que os 3.575 Km até Santos.

Essa vantagem geográfica se reforça com as crescentes dificuldades para as empresas de transporte marítimo usarem o Canal do Panamá. Atualmente, o fluxo de embarcações se reduziu, em média, de 36 navios/dia para 24 navios/dia, e o valor da tarifa se elevou para US$ 250 mil por embarcação.

No entanto, para viabilizar, por via rodoviária, o acesso dos nossos produtores ao porto de Chancay, a partir do Acre, faz-se necessário eliminar uma quota de 150 mil toneladas imposta às empresas brasileiras de transporte de carga. De fato, tal limitação é incompatível com o dimensionamento que se pretende dar ao porto e com o potencial de carga que os estados do Acre e Rondônia podem gerar. Essa dificuldade não existe na eventualidade de se explorar a integração ferroviária com a Bolívia. No momento, qualquer que seja a alternativa logística, não há a menor dúvida de que o porto de Chancay, pelo potencial de carga que poderá movimentar, demanda melhor conectividade com o restante da América do Sul.


O autor é diplomata de carreira. As opiniões expressas não refletem a posição oficial do Ministério das Relações Exteriores e demais órgãos do Governo brasileiro afetos ao tema.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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