Notice: Function _load_textdomain_just_in_time was called incorrectly. Translation loading for the wordpress-seo domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/storage/c/6b/bd/interessenaciona1/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
Interesse Nacional
19 dezembro 2022

O que nos aproxima da África?

Estudo busca identificar um padrão na inserção brasileira no continente africano diante de sua histórica oscilação política a fim de ajudar o país no retorno ao continente após anos de uma diplomacia desengajada. Dados indicam a importância da recente aproximação em espaços multilaterais, como os organismos internacionais regionais

Estudo busca identificar um padrão na inserção brasileira no continente africano diante de sua histórica oscilação política a fim de ajudar o país no retorno ao continente após anos de uma diplomacia desengajada. Dados indicam a importância da recente aproximação em espaços multilaterais, como os organismos internacionais regionais

O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em foto oficial com participantes da Cúpula Brasil – Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, em 2010 (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República)

Por David Beltrão Simons Tavares de Albuquerque*

A Política Externa brasileira na África no século XX é a história da oscilação e do conflito. Desde o início do processo de descolonização africana, a política brasileira é influenciada por estratégias pendulares. Haveria, nesse sentido, algo que seja permanente dentro dessa oscilação? A ironia histórica é que as reaproximações e afastamentos com a África nunca são fatos totalmente inéditos, pois o Brasil nunca é realmente um estranho na África.

Engraçado relembrar que o embaixador Alberto da Costa e Silva, e decano dos estudos africanos no Brasil, no seu livro Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África” (2011), narra um fato que aconteceu com ele na Nigéria. Ele foi questionado por um jornalista: “Brazilian, what are the meanings of ‘f. da p.’, ‘merda’ and ‘sua besta’? Are they bad words?”. O embaixador, obviamente, respondeu: “ — São”. O repórter riu e então revelou que o pai o chamava assim. O pai dele, provavelmente, foi um dos “brasileiros”, ex-escravos que foram à África após a Revolta dos Malês em 1835 ou após a abolição da escravidão no Brasil.

‘Reaproximações e afastamentos com a África nunca são fatos totalmente inéditos, pois o Brasil nunca é realmente um estranho na África’

O objetivo da minha pesquisa é identificar um padrão na inserção brasileira no continente diante dessa histórica oscilação. Minha esperança é que isso ajudaria o Brasil no retorno ao continente após os últimos anos de uma política externa low profile e, no futuro, para que essa oscilação seja menor.

Historicamente, por exemplo, a nomeação de Raimundo Souza Dantas para Gana em 1961, um ano após o Ano da África, é o retrato inicial desse conflito, haja vista ter criado resistência entre os diplomatas brasileiros e ter ficado isolado quando instalado em Acra, apesar da fama de ter sido o primeiro embaixador negro na África. Era uma política muito mais discursiva do que prática (DÁVILA, 2011; GARCIA, 2000).

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/a-nova-africa-e-as-oportunidades-para-o-brasil/

Logo após o golpe militar, em 1964, houve uma reorientação da política externa brasileira para a África tanto no discurso quanto na prática. Os governos dos militares Castello Branco (1964-1967) e Costa e Silva (1967-1969) tiveram pautas eminentemente econômicas, como a ida de missões comerciais, dentro de uma lógica de segurança, haja vista o temor brasileiro da criação de países socialistas na região. As relações desses dois governos eram pautadas pela defesa ao colonialismo europeu e pelos laços luso-brasileiros (VISENTINI, 2004). Foram políticas bem tímidas.

O outro extremo do pêndulo nos governos militares é atingido no governo de Ernesto Geisel (1974-1979), representado pelo chanceler Azeredo da Silveira na política externa brasileira do Pragmatismo Responsável e Ecumênico. Como se pode inferir pelo lema dessa política externa, o adensamento e diversificação de parcerias era o mote. É verificado, nesse período, um discurso e prática sem ambiguidades a favor dos territórios portugueses na África, como o reconhecimento da independência de Guiné-Bissau antes do fim das negociações com Portugal, em 1974.

O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola, em 1975, reconhecendo o Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), em discordância com os Estados Unidos, que apoiavam a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). Ou, como afirma o embaixador Ovídio de Andrade Melo, “exatamente no momento em que surgiu o novo país, no primeiro segundo do dia 11 de novembro de 1975 ” (MELO, 2009). No mesmo ano, foram reconhecidos os governos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe. Esses atos fizeram com que o Brasil melhorasse as suas relações com a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e seu líder, Samora Machel, os quais tinham resistência ao Brasil, haja vista o antigo apoio brasileiro a Portugal.

O primeiro embaixador em Moçambique (1977), o “Embaixador Vermelho” Ítalo Zappa, intermediou as primeiras relações do Brasil com Moçambique, e assim nasceram os primeiros projetos de cooperação econômica e social entre os países (VISENTINI, 2004; PENNA FILHO; LESSA, 2007; ABREU; LAMARÃO, 2007; DÁVILA, 2011; ARENAS, 2019). Após esse período, por motivos internos e externos ao país, o Brasil entrou em um novo período de afastamento parcial ou total do continente africano.

As relações somente voltam a ficar mais próximas no governo de Luíz Inácio Lula da Silva (2003-2011), o qual fez uma mudança abrupta na política externa brasileira para a África. O presidente permaneceu 55 dias dos seus dois mandatos em solo africano. Ele e o chanceler Celso Amorim (2003-2011) viajaram para o continente africanos uma vez a cada ano do mandato.

Houve concertações multilaterais como o fórum de diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), de caráter político, estratégico e econômico; o BRICS, agrupamento entre o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Esse último entrou formalmente em 2011; a Cúpula América do Sul – África (ASA), criada em 2006, após o primeiro encontro em Abuja, Nigéria. A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) também foi usada como lócus importante de aproximação. O Brasil foi protagonista em todos esses arranjos. A importância desses foros simultâneos é que eles reforçam mutuamente a inserção internacional do Brasil. Por exemplo, se não fosse por essa aproximação, dificilmente seriam eleitos José Graziano para diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em 2012, e Roberto Azevedo à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2013.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/missoes-de-paz-da-onu-na-africa-estao-funcionando-melhor-do-que-se-imagina/

Na minha pesquisa do mestrado, por meio do Qualitative Comparative Analysis Fuzzy Set (QCAFs), eu ajudei a confirmar o que outras pesquisas qualitativas e quantitativas já afirmavam, qual seja, que o Brasil historicamente tem uma proximidade com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). A busca, nesse sentido, por uma característica comum, a língua portuguesa, por meio da CPLP, demonstraria uma escolha pragmática de reinserção no continente (ALBUQUERQUE, 2018).

A criação da CPLP, em 1996, representou a oportunidade de o Brasil se reaproximar, por meio de um mecanismo institucional, desses países. O interesse brasileiro na África é, em princípio, extremamente concentrado nos Estados de língua portuguesa, representado pelo caráter histórico e cultural, o que poderia gerar dúvidas se a busca pelo continente deve-se ao seu nível de pobreza ou se é em razão da localização da maioria dos outros países lusófonos (ROWLAND, 2008; ALBUQUERQUE, 2018).

No doutorado, eu tento identificar os fatores responsáveis por uma difusão dos projetos de cooperação do Brasil no continente africano. Inicialmente localizados nos PALOP, há uma distribuição temporal e geográfica dos projetos de cooperação no continente africano para os países africanos de língua não-portuguesa. A estratégia do Brasil, portanto, teria repercutido nos Estados vizinhos aos PALOP e, depois, para o resto da África. Eu identifiquei a possibilidade desse fenômeno quando observei que havia inicialmente uma concentração de projetos nos Estados de língua portuguesa. A partir de 2005, no entanto, um grande aumento no número de projetos passou para os Estados da África não-portuguesa, o que corroboraria com a hipótese sugerida.

‘A África portuguesa foi o movimento inicial do Brasil dentro de uma estratégia de inserção no continente africano’

A África portuguesa, nesse sentido, foi o movimento inicial do Brasil dentro de uma estratégia de inserção no continente africano. Inicialmente, foram projetos modestos que, após os anos, se desenvolveram à medida que o Brasil amadurecia a sua política africana. O que explica, portanto, uma maior velocidade de adesão dos Estados africanos a demandar os projetos de cooperação do Brasil? Quais fatores são capazes de influenciar um país a aderir a um projeto de cooperação com o Brasil?

Eu testei alguns fatores para responder essa pergunta, quais sejam, tempo (anos) até o primeiro projeto; proximidade geográfica entre países africanos de língua portuguesa e países africanos de língua não-portuguesa; comércio exterior entre os países africanos; associação conjunta em instituições (joint membership) em países africanos; qualidade das instituições nos países africanos; número de adesões anteriores aos projetos por região; e qualidade das instituições nos países africanos.

Os resultados preliminares, por meio da análise do método de análise de sobrevivência, do QCAFs, como meta-análise e de um estudo de caso com cinco países africanos com a variável balança comercial, indicam um caminho para pesquisas futuras. No geral, a variável geográfica indica, em todas os testes realizados, que não há nenhuma relação com a difusão dos projetos brasileiros na África. Isso deveria ser investigado se foi um acidente ou se outros fatores regionais, como os institucionais, foram mais relevantes e acabaram substituindo-o. Como dito, é um resultado bastante contraintuitivo.

Uma variável, porém, que teve um resultado interessante foi a de qualidade institucional e deve ser mais investigada. Enquanto a simples qualidade institucional do país não é relevante para ter um projeto, a variável que aborda a semelhança institucional entre os PALOP e os países não-PALOP é positiva e relevante para o fenômeno na análise do modelo de sobrevivência, mas não no QCAFs. A variável institucional internacional, no entanto, foi positiva e relevante no QCAFs e em 2 de 3 dos modelos de análise de sobrevivência usados. Isso pode demonstrar a convergência internacional desses países em nível regional.

Os dados, até o momento, indicam a importância da recente aproximação dos países africanos em espaços multilaterais, como os organismos internacionais regionais, o que certamente teria criado uma convergência. O Brasil pode se aproveitar desse fenômeno para um eventual retorno.


David Beltrão Simons Tavares de Albuquerque é doutorando em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco.


Referências Bibliográficas
ABREU, Alzira Alves de e LAMARÃO, Sérgio. Personalidades da Política Externa Brasileira. Brasília: FUNAG, 2007.
ALBUQUERQUE, D. B. S. T. de. A dinâmica decisória da Política Externa : as condições à Cooperação brasileira na África (2003-2010). 2018. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018.
ARENAS, Fernando. África lusófona: além da independência. São Paulo: Edusp, 2019.
DÁVILA, Jerry. Hotel Trópico: o Brasil e o desafio da descolonização africana (1950-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
GARCIA, Eugênio. O pensamento dos militares em política internacional (1961-1989). Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília: vol. 40, n. 1, 1997.
LESSA, Antonio; PENNA FILHO, Pio. O Itamaraty e a África: as origens da política africana do Brasil. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 39, 2007.
LIMA, João Antônio dos Santos. A cooperação internacional sul-sul e a difusão de políticas: uma análise exploratória das políticas coordenadas pela Agência Brasileira de Cooperação. 2014. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.
MELO, Ovídio de Andrade. Recordações de um removedor de mofo no Itamaraty: (relatos de política externa de 1948 à atualidade). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.
ROWLANDS, Dane. Emerging Donors in International Development Assistance: a synthesis report. International Development Research Centre, 2008.
SILVA, Alberto da Costa e. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. 5 e. d. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
VISENTINI, Paulo G. Fagundes. A política externa do regime militar brasileiro. 2ªed. Porto Alegre: Ed.UFRGS, 2004


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter