06 janeiro 2025

O que virá com Trump?

Eleição do novo presidente redefiniu o cenário político dos EUA e vai criar um novo contexto para as dinâmicas globais dos próximos anos, com impactos mesmo para o Brasil

O presidente eleito dos EUA, Donald Trump (Foto: Instagra/realdonaldtrump)

A eleição presidencial de novembro passado nos EUA redefiniu o cenário político daquele país de forma estrutural, vindo também a criar um novo contexto para as dinâmicas globais dos próximos anos. Em primeiro lugar, o resultado do escrutínio demonstrou a força do republicano Donald Trump e, de forma mais ampla, do Trumpismo, como expressão política da extrema-direita norte-americana. 

A eleição mostrou também a eficácia eleitoral do estilo populista (talvez mesmo neofascista) e dos temas a ele relacionados, como o fechamento da fronteira, a expulsão de imigrantes indocumentados, a elevação de tarifas e, acima de tudo, a busca da reconstrução de uma suposta “América grande” (e branca) do passado. E se nos últimos anos havia espaço para se perguntar se Trump viria a dominar o Partido Republicano, onde supostamente ainda existiriam forças alternativas, o quadro atual demonstra que o partido é hoje o partido de Trump.

‘O Trumpismo foi mesmo capaz de angariar apoio a sua retórica e posições xenofóbicas entre o eleitorado latino, demonstrando assim o apelo transversal do neofascismo norte-americano’

O Trumpismo foi mesmo capaz de angariar apoio a sua retórica e posições xenofóbicas entre o eleitorado latino, demonstrando assim o apelo transversal do neofascismo norte-americano. Da mesma forma, ficou demonstrada a incapacidade dos democratas em mobilizar de forma definidora seu eleitorado somente com base em temas de matriz cultural, como aborto e relações de gênero. 

Conjuntamente, tais fatores evidenciam a força política de Trump, que foi capaz de criar uma sinergia entre temas não-econômicos e econômicos (já que muitos ex-eleitores de Obama e Biden votaram em Trump por causa da elevação do custo de vida dos últimos três anos), criando assim um coalizão eleitoral de somente nos anos 1980, com Ronald Reagan, havia sido possível, e contra qual os democratas terão muitas dificuldades de se contrapor.

‘O retorno de Trump poderá representar também um profundo processo de redefinições no modelo de atuação do Estado norte-americano’

A ser capaz de implementar sua agenda eleitoral, e o controle do Congresso e grande parte do Judiciário pelos Republicanos sinaliza tal rumo, o retorno de Trump poderá representar também um profundo processo de redefinições no modelo de atuação do Estado norte-americano. Retoma-se a agenda isolacionista, talvez ecoando o que havia no país nos anos 1920, e se consolida a desconstrução do papel intervencionista e de promoção de bem-estar social que o governo federal assumiu desde os anos 1930. 

Deverá haver um desmantelamento de agências reguladoras, especialmente nos temas trabalhista e ambiental, assim como na área de inteligência e justiça, ao passo que diferentes departamentos deverão ser aparelhados por simpatizantes ou seguidores ideológicos do novo presidente. 

‘Aprofundando uma resposta míope ao processo de declínio relativo do país no cenário internacional, tais medidas não serão capazes de aumentar a competitividade econômica do país’

Aprofundando-se assim uma resposta míope ao processo de declínio relativo do país no cenário internacional já – ao contrário do que deveria ser feito, como aumentar os investimentos em educação e pesquisa e a acelerar o processo de substituição da matriz energética-, tais medidas podem satisfazer os instintos mais básicos dos eleitores republicanos, mas não serão capazes de aumentar a competitividade econômica do país. 

Talvez por isso é que devemos esperar que Trump deverá assumir uma postura também termidoriana na área da política externa. Ele deverá intensificar os ataques ao multilateralismo, tenderá a enfraquecer a dita Aliança Atlântica, criando novos desafios para a Europa já em crise econômica e política. Haverá também um maior confronto com a China, com resultados econômicos protecionistas que tenderão a impactar a economia global, e impactos diplomáticos e militares perigosos.  

‘Trump aumentará a narrativa de denegrir o imigrante latino e tentará deportar centenas de milhares deles, aumentando assim também a crise econômicas em vários países da região pela diminuição das remessas para as famílias locais’

Com relação à América Latina, Trump aumentará a narrativa de denegrir o imigrante latino e tentará deportar centenas de milhares deles, aumentando assim também a crise econômicas em vários países da região pela diminuição das remessas para as famílias locais, assim como de programas de ajuda externa e mesmo de investimentos regionais. 

Deverá haver um aumento na retórica contra países chave como Cuba, Venezuela, Nicarágua, assim como México, Colômbia e mesmo contra o Brasil, cuja imagem feita por atores golpistas junto a políticos republicanos tem buscado criar a falsa imagem de que o atual governo, assim como a próprio Supremo Tribunal Federal, seriam expressões de um autoritarismo inexistente. 

A narrativa e possivelmente ações golpistas com base na noção da volta grandiosa do grande líder que deveria também ser efetivada no Brasil tenderão a criar novos desafios e constrangimentos às forças democráticas brasileiras. Será pois necessário que, diferentemente dos EUA, haja a confirmação da punição ao golpismo no Brasil, a fim de garantir a continuidade da reconstrução e da defesa da democracia brasileira. 

Rafael R. Ioris é professor de história latino-americana no Departamento de História da Universidade de Denver. É pesquisador do Instituto de Estudos dos Estados Unidos no Brasil e autor de vários artigos e capítulos de livros sobre a história do desenvolvimento no Brasil e em outras partes da América Latina e sobre o curso das relações EUA-América Latina, particularmente durante a Guerra Fria. Autor de livros como Qual desenvolvimento? Os debates, sentidos e lições da era desenvolvimentista, Transforming Brazil: A history of national development in the postwar era. É non-resident fellow do Washington Brazil Office, em DC.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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