O reconhecimento condicional da seriedade do Brasil pelas grandes potências
Estudo mostra que a Comunidade de Política Externa dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU tende a aceitar o Brasil como um país sério, importante e com voz forte em negociações internacionais somente quando isso favorece os interesses dessas nações poderosas
Estudo mostra que a Comunidade de Política Externa dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU tende a aceitar o Brasil como um país sério, importante e com voz forte em negociações internacionais somente quando isso favorece os interesses dessas nações poderosas
Por Daniel Buarque*
Pesquisas de opinião pública realizadas por todo o mundo tradicionalmente pintam uma visão externa do Brasil como um país de festas, de diversão, de esportes, de praia e de dança – mas não um bom lugar para fazer negócios ou avançar grandes acordos políticos. Esta imagem internacional do Brasil pode indicar que o país não é visto como um ator “sério”, importante, no cenário global, o que contrasta com as grandes e históricas ambições da política externa brasileira de se posicionar como um ator central nas negociações internacionais. A questão se torna mais complexa, entretanto, quando se avalia o que pensam sobre o Brasil as elites que dirigem a política externa das nações mais poderosas do mundo.
Este texto apresenta alguns dos principais argumentos do artigo What makes a serious country? The status of Brazil’s seriousness from the perspective of great powers, publicado no fim de dezembro pela revista acadêmica Place Branding and Public Diplomacy. Baseado em entrevistas com 94 membros da Comunidade de Política Externa (CPE) dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (o P5: EUA, Rússia, China, França e Reino Unido), ele é parte de uma pesquisa ampla sobre o status do país conduzida durante o doutorado conjunto pelo King’s College London e pela USP. E avança no estudo do status internacional do Brasil ao desenvolver uma análise sobre como as elites em países poderosos avaliam a discussão sobre a seriedade do Brasil como ator global. O artigo discute o que significa ser um país sério no mundo e diz que, para as grandes potências, o Brasil é reconhecido como sério de forma condicional, somente quando isso as ajuda a avançar em seus interesses globais.
Por mais evidente que seja essa visão do público geral do mundo a respeito da frivolidade brasileira, de acordo com pelo menos uma dezena de levantamentos transacionais, esta percepção não é aceita de forma consensual pelas elites que pensam a política externa das grandes potências internacionais. A CPE do P5 conhece a famosa frase que diz que “o Brasil não é um país sério”, aceita que ela abre um debate importante, mas entende mais profundamente o papel que o Brasil desempenha no mundo e como ele depende de seu contexto global.
Mesmo sem serem diretamente questionados sobre isso, quase metade dos entrevistados no estudo abordaram de forma espontânea a questão da seriedade do Brasil. Ainda que a pesquisa não tenha uma abordagem quantitativa, a resposta mais frequente sobre o tema indicava que “o Brasil não é um país sério” — especialmente pela falta de hard power para se impor no mundo.
Do outro lado do debate, muitas outras respostas propunham uma interpretação oposta: “O Brasil é um país sério”, foi um argumento frequente proposto por muitos dos entrevistados, em contraponto à famosa frase atribuída de forma equivocada ao ex-presidente francês Charles de Gaulle.
Mas foi uma terceira avaliação dentro desse debate que mais chamou a atenção. Para alguns dos entrevistados, as grandes potências levam o Brasil a sério somente se e quando o país atende aos seus próprios interesses.
Este insight na discussão sobre as percepções estrangeiras sobre a seriedade do Brasil muda o foco do país para os observadores externos. Segundo informantes deste estudo (citados de forma anônima para evitar identificar os entrevistados), as grandes potências levam o Brasil a sério apenas em situações em que podem lucrar e defender seus próprios objetivos.
Isso fica evidente na resposta de um entrevistado russo, diretor de um instituto de pesquisa do país. Segundo ele, a Rússia só aceitaria que o Brasil tivesse uma voz mais forte nas relações internacionais, “se fosse amigável com a Rússia”.
De forma semelhante, segundo um ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil, a crença em um papel sério para o Brasil no mundo depende da proximidade dos dois países: “Se o Brasil agir com responsabilidade, absolutamente [seria aceito como país sério]. Se, no entanto, o Brasil voltasse a ser nacionalista, desconfiado dos EUA, ressentido com a liderança americana, tudo isso seria derrubado”.
Segundo um professor da Sorbonne, a França só tem interesse em reconhecer o Brasil como um importante player global porque “o Brasil sempre foi um parceiro que seguiu a França, as posições da França. Então, era para apoiar como um país sério, com quem se devia contar, e que era um país amigo”.
A avaliação fica especialmente clara na descrição de uma pesquisadora de think tank americano: “Um país poderoso como os EUA, a Rússia ou a China levará o Brasil a sério na medida em que o Brasil tem um papel em seus interesses. Por muito tempo, acho que os EUA não levaram o Brasil muito a sério porque o Brasil não afetou a segurança dos EUA, não teve impacto nas características econômicas dos EUA, nada do que aconteceu no Brasil teve forte impacto direto nos Estados Unidos, então realmente não importava o que o Brasil fizesse pelos EUA. Agora, com a China, a China leva o Brasil mais a sério por causa do investimento, porque é uma fonte de recursos naturais que a China precisa, então essa é uma relação muito séria para a China. Para os EUA, o Brasil está se tornando um país mais sério, que eles estão levando mais a sério por causa dessa ideia de precisar manter sua influência no hemisfério ocidental, mantendo bons laços e fazendo com que a China não domine, e a Rússia não fique muito influente. As grandes potências têm a capacidade e a novidade de nem sempre levar o Brasil a sério, porque podem prescindir do Brasil”.
Essa avaliação deixa o Brasil, do ponto de vista das grandes potências, com um papel semelhante ao de um peão em um jogo de xadrez na política global. Esses países não reconhecem o Brasil como ator relevante por si só e determinam o nível de prestígio e seriedade do país dependendo apenas de sua posição em relação aos seus próprios interesses.
Compreender esse reconhecimento condicional é importante porque a percepção intersubjetiva dessas nações prestigiosas e poderosas é determinante para o status do Brasil na sociedade internacional. De acordo com esta abordagem das relações internacionais, um país como o Brasil tem o papel global que outras nações reconhecerem para ele, dando-lhe legitimidade. Se nações poderosas adotassem consensualmente uma visão semelhante à da população em geral, de que o Brasil não é sério, isso levaria o país a não conseguir assumir um papel importante na política mundial e a ter dificuldades em aumentar seu nível de prestígio. Assim, a ideia de que o FPC do P5 está aberto a aceitar o Brasil como uma nação séria — ainda que de forma condicional — é um primeiro passo importante no desenvolvimento de uma estratégia para o país buscar um papel global mais importante.
*Daniel Buarque é editor-executivo do portal Interesse Nacional, doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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