08 agosto 2025

Para entender o tarifaço 2  – A nota da embaixada dos EUA

Os EUA estão mostrando que consideram medidas internas do Judiciário de um país soberano como uma ameaça à segurança nacional americana. A crise político-diplomática com os EUA pode representar um fator muito negativo para a economia e para o setor privado, que vai pagar a conta 

Manifestação dos comerciários da 25 de março contra medidas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

A nota da Embaixada dos EUA divulgada na quinta-feira (7) está na linha das declarações do ministro da Defesa norte-americano que disse ser “a América Latina o quintal dos Estados Unidos” e está coerente com a base legal sobre a qual o governo de Washington aplicou as tarifas sobre o Brasil

Na nota, a embaixada reforça a divulgação de ameaças de altos funcionários do Departamento de Estado, com ataques ao ministro Alexandre de Moraes e contra os “aliados” dele “no Judiciário” e “em outras esferas”. “Estamos monitorando a situação de perto”, diz a nota.

‘A nota da embaixada dos EUA é uma evidente tentativa de intimidação dos ministros do STF e do Congresso Nacional e um ato inaceitável de interferência em assuntos internos brasileiros’

Trata-se de uma evidente tentativa de intimidação dos ministros do STF e do Congresso Nacional e um ato inaceitável de interferência em assuntos internos brasileiros. Agiu corretamente o Itamaraty ao convocar o encarregado de negócios para reagir à nota que lembra tempos passados com a intervenção direta da embaixada dos EUA nos preparativos do golpe de 1964. 

Quanto à fundamentação legal para as tarifas no Brasil, Trump assinou nesta semana ordem executiva baseada na lei de emergência econômica (International Emergency Economica Power Act – IEEPA), que dá poderes ao presidente norte americano levando em conta as ameaças à economia dos EUA e à segurança nacional. Essa lei foi aplicada contra o Irã, Líbia e Coreia do Norte. Por outro lado, a base legal para a aplicação das tarifas para os outros países foi baseada na Seção 232 do Trade Expansion Act de 1962, que trata a questão da segurança nacional sob o ângulo comercial, sem declaração de emergência, e, no caso da China, a legislação invocada foi a Seção 301 do Trade Act de 1974.

‘A lei de emergência econômica é aplicada pelo Departamento de Estado e do Tesouro, sem consulta ao Congresso, e é utilizada como meio de pressão diplomática com caráter extraterritorial’

É importante entender a diferença entre as duas legislações. Enquanto a Seção 232 e a 301 são implementadas pelos órgãos técnicos de comércio exterior, a lei de emergência econômica é aplicada pelo Departamento de Estado e do Tesouro, sem consulta ao Congresso, e é utilizada como meio de pressão diplomática com caráter extraterritorial, como foi o caso da Lei Magnitski e agora a nota da embaixada dos EUA. A IEEPA pode alcançar empresas ou indivíduos no Brasil. As empresas podem ser afetadas por bloqueios bancários, encerramento de linhas de crédito internacional, exclusão de fornecedores de peças e equipamentos e até sanções secundárias, quando transacionam com outros países, como foi o caso da Índia por comprar petróleo da Rússia.

A política tarifária em relação ao Brasil tem uma característica única por abrir a possibilidade de tratar questões políticas e diplomáticas mais amplas e que, se espera, estejam sendo objeto de exame e consideração mais cuidadosa por parte do governo em Brasília. 

‘As ações do Departamento de Estado, em vista da atitude antagônica de Marco Rubio em relação ao Brasil são inaceitáveis’

As ações do Departamento de Estado, em vista da atitude antagônica de Marco Rubio em relação ao Brasil são inaceitáveis. O risco e a ameaça são claros e vão requerer uma defesa da soberania e do interesse nacional mais sofisticada e responsável. As bravatas não são a resposta à ameaça de sanções econômicas e políticas contra os interesses do governo e do setor privado. O momento exige a definição clara dos interesses do Brasil nesta crise e uma estratégia para reduzir sua intensidade. A escalada política deve ser separada da negociação técnica comercial.

Em virtude da escalada representada pela aplicação da IEEPA e da nota da embaixada norte-americana, impõe-se um contato político de alto nível com a Casa Branca para reduzir o eventual dano ao setor privado nacional.

‘Os telefonemas para Xi Jinping e do indiano Modi não podem substituir um contato direto com Trump e podem atrair a atenção da Casa Branca sobre o Brics’

Os telefonemas para Xi Jinping e do indiano Modi não podem substituir um contato direto com Trump e podem atrair a atenção da Casa Branca sobre o Brics, que, até aqui, não foi incluído nas preocupações diretas do governo americano na relação com o Brasil. Em paralelo, o setor privado deve continuar suas gestões junto a US Chamber of Commerce e empresas parceiras nos EUA para que estas gestionem junto a Trump para conter a crise. 

Na prática, o que os EUA estão mostrando é que consideram medidas internas do Judiciário de um país soberano como uma ameaça à segurança nacional americana. A crise político-diplomática com os EUA pode representar um fator muito negativo para a economia e para o setor privado, que vai pagar a conta. 

Não interessa ao Brasil a escalada política ou comercial no contexto das relações com os EUA.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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