Perigo de confrontação com os EUA deve ser evitado
A crescente pressão do governo Trump sobre o Brasil, impulsionada por aliados bolsonaristas e agravada pela resposta do governo Lula ao que vê como ameaças à soberania nacional, expõe a ausência de diálogo direto entre os dois países. Com sanções iminentes e riscos à relação bilateral, o Itamaraty tenta, nos bastidores, evitar o isolamento diplomático e proteger interesses comerciais estratégicos

A falta de canais de comunicação de alto nível entre o governo Lula e o governo Trump continua a ter impacto no relacionamento bilateral. As divergências ideológicas entre Lula e Trump justificam a falta de contato em nível presidencial.
Enquanto isso, desde a eleição em novembro, a oposição bolsonarista tem atuado, junto ao candidato e agora presidente republicano e junto ao secretário de Estado, Marco Rubio, contra o governo Lula, sobretudo pedindo a aplicação de lei norte-americana que pune autoridades de outros países que impedem a liberdade de expressão de cidadãos americanos.
O pedido contra Moraes começa com as demandas contra Elon Musk quando o STF examinava a regulamentação das redes sociais. O assunto – que deveria ficar restrito ao Judiciário – ganhou dimensão política no momento em que o presidente Lula decidiu assumir a reação do governo brasileiro, considerando que a sanção seria uma tentativa de interferir em decisões internas do Judiciário brasileiro é uma afronta à soberania nacional.
‘O Itamaraty foi instruído pela Presidência a conversar discretamente, através da embaixada em Washington para, de maneira pragmática, esclarecer a força da democracia no Brasil’
Nesse contexto, o Itamaraty foi instruído pela Presidência a conversar discretamente, através da embaixada em Washington, com as autoridades norte-americanas (Western Hemisphere Dept ou o Assessor de Segurança Nacional), para, de maneira pragmática, esclarecer a força da democracia no Brasil, a importância do relacionamento bilateral e as implicações caso essa sanção seja aplicada.
Algum tipo de sanção (moderada) contra Alexandre de Morais deverá ser anunciada pelo governo norte-americano. Na quarta-feira (28), Marco Rubio anunciou a restrição de visto contra autoridades estrangeiras que possam ser consideradas como responsáveis por uma suposta censura contra cidadãos ou empresas norte-americanos, como antecipado pelo secretário de Estado em depoimento no Senado dos EUA, ao afirmar que “hå grande possibilidade” de o ministro do Supremo ser penalizado pelas alegadas restrições à liberdade de expressão contra um cidadão norte-americano. Teria sido preferível que o Executivo não tivesse interferido nessa matéria, que diretamente afeta ao Judiciário.
‘Dados a imprevisibilidade das decisões do governo Trump e os interesses de preservar os interesses nacionais, seria importante evitar uma confrontação com Washington’
Dados a imprevisibilidade das decisões do governo Trump e os interesses de preservar os interesses nacionais, seria importante evitar uma confrontação com Washington.
Em vista dos precedentes políticos e diplomáticos entre Lula e Trump, ocorrendo a sanção, o governo Lula não terá alternativa senão minimizar o fato para evitar uma crise diplomática, que poderá afetar outras negociações em curso, em especial os entendimentos sobre as restrições comerciais sobre o aço e o alumínio, além dos 10% de tarifas sobre todos os produtos exportados para os EUA.
Para complicar ainda mais a situação, Alexandre de Moraes, acolhendo pedido da PGR, decidiu abrir inquérito para investigar o deputado Eduardo Bolsonaro pelos crimes de coação no curso do processo e obstrução de investigação. Essa medida – que será utilizada internamente na narrativa de perseguição política – é um equívoco por agravar a crise com o governo de Washington e precipitar a decisão do governo de Washington contra Moraes.
‘Desde o início do governo Trump está crescendo gradualmente o número de reparos ao Brasil. Essas questões poderão evoluir contrariamente aos interesses brasileiros com a imposição de sanções ao país’
Desde o início do governo Trump está crescendo gradualmente o número de reparos ao Brasil. Essas questões poderão evoluir contrariamente aos interesses brasileiros com a imposição de sanções ao país, sobretudo se levarmos em conta as recentes declarações do secretário da Defesa de que a América Latina é o quintal dos EUA e do presidente Trump de que os países da região talvez tenham de optar entre os EUA e a China.
O encontro da CELAC com a China em Pequim, a visita de Estado de Lula e os 30 acordos assinados poderão ser munição utilizadas por Trump. A reunião do Brics em julho poderá adicionar novos elementos de pressão dos EUA.
O resgate dos exilados venezuelanos na embaixada da Argentina, sob a guarda do Brasil, foi feito sem qualquer comunicação ao Itamaraty, que por nota oficial declarou apenas ter tomado conhecimento da ação dos EUA e que solicitou salvo conduto inúmeras vezes sem ter sido atendido pelo governo Maduro.
Por nota do Departamento de Estado, o governo de Washington informou estar oferecendo US$ 10 milhões por informações sobre transferência de recursos para o Hezbollah oriundos da tríplice fronteira entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai.
‘Em outra declaração problemática, o governo americano disse que o Paraguai não teria de vender ao Brasil o excedente de energia gerado por Itaipu, mas aos EUA’
Em outra declaração problemática, o governo americano disse que o Paraguai não teria de vender ao Brasil o excedente de energia gerado por Itaipu, mas aos EUA.
Finalmente, a recente eleição de membros do Congresso venezuelano pela região do Essequibo na Guiana poderia representar uma escalada na crise com a Guiana com a interferência militar norte-americana e o estabelecimento de uma base norte-americana na América do Sul, que sempre contou com a posição contrária do governo brasileiro.
Outras medidas e declarações de membros do governo norte-americano mostram a maneira como o Brasil está sendo tratado. Depois de quase seis meses desde a eleição, o secretário de Estado, Marco Rubio, ligou para mais de 80 ministros do exterior, mas não achou necessário chamar o ministro Mauro Vieira. Celso Amorim não abriu um canal de comunicação com o Assessor de Segurança Nacional de Trump. O governo de Washington ainda não designou embaixador em Brasília.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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