14 março 2025

¿Por qué no te callas?

Uma das regras de ouro na vida pública aconselha a falar somente quando se tem alguma coisa para dizer, o que, na prática, é melhor do que o silêncio. Essa regra é frequentemente esquecida pelos políticos brasileiros, especialmente em tempos de tensão com o governo de Donald Trump

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita galpão de laminação da Usina Gerdau, em Ouro Branco, MG (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Há quase 250 anos, o Abade Idinouart publicou, na França, um tratado sobre o silêncio do homem público. A arte de ficar calado (L’Art de se Taire), ainda hoje de grande atualidade, nos ensina que o primeiro grau de sabedoria é saber ficar calado; o segundo, de saber falar pouco e de moderar-se nas falas públicas; o terceiro é o de saber falar bastante, sem falar mal e sem falar demais. 

Uma das regras de ouro na vida pública aconselha a falar somente quando se tem alguma coisa para dizer, o que, na prática, é melhor do que o silêncio. Essa regra é frequentemente esquecida pelos políticos brasileiros. Atualmente, mais uma regra, a de que a palavra do presidente conta, é importante, sobretudo quando fala sobre política externa, está sendo seguidamente ignorada em um momento sensível e complicado das relações internacionais, tendo como epicentro os EUA e o novo governo de Donald Trump.

‘Declarações do presidente Lula sobre Trump e sobre os EUA até aqui não tiveram consequências, mas poderão criar embaraços para o Brasil no futuro’

Seguidas declarações do presidente Lula sobre Trump e sobre os EUA até aqui não tiveram consequências, mas poderão criar embaraços para o Brasil no futuro em função da ativa movimentação da oposição bolsonarista em Washington, junto a aliados do partido republicano e do presidente norte-americano.

Tudo começou na campanha eleitoral, quando Lula declarou sua preferência a Kamala Harris (opositora de Trump) para evitar a ameaça de nazismo e fascismo representada pelo candidato republicano. No início do governo, as ameaças – agora efetivadas – de imposição de tarifas generalizadas, Lula declarou que, se o Brasil fosse afetado, o governo brasileiro iria retaliar os EUA. Mais recentemente, depois do encontro Trump com Zelenski no Oval Office da Casa Branca, Lula condenou a forma como a reunião aconteceu e chamou o encontro de grotesco.

Nesta semana, sem qualquer referência ao Brasil feita pelo presidente dos EUA, e sem motivo aparente envolvendo o Brasil, Lula alertou: “não adianta o Trump ficar gritando de lá, porque eu aprendi a não ter medo de cara feia. Fale manso comigo, fale com respeito comigo, eu aprendi a respeitar as pessoas e quero ser respeitado”. Marco Rubio já falou com mais de 60 ministros do exterior, sem se dar ao trabalho de chamar o brasileiro.

‘O governo brasileiro elevou o tom na resposta de nota do Departamento do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado com comentário genérico a todos os países’

Para completar, o governo brasileiro elevou o tom na resposta de nota do Departamento do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado com comentário genérico a todos os países. “O respeito à soberania é uma via de mão dupla com todos os parceiros dos EUA, incluindo o Brasil. Bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar indivíduos que lá vivem é incompatível com os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão”. 

O Itamaraty vestiu a carapuça e, apesar de relutante, foi instruído a responder que recebeu com surpresa a manifestação do Departamento de Estado e, em tom duro, mencionou em detalhe a disputa do STF com Elon Musk (que não havia sido explicitamente citada na nota), afirmando rejeitar com firmeza qualquer tentativa de politizar o assunto. 

‘O governo brasileiro atuou nos bastidores para impedir a vitória de candidato norte-americano (o ministro do exterior do Paraguai) na eleição para secretário-geral da OEA’

Além disso, o governo brasileiro atuou nos bastidores para impedir a vitória de candidato norte-americano (o ministro do exterior do Paraguai) na eleição para secretário-geral da OEA e pronunciou-se criticamente em relação à forma como foi feita a defesa da democracia na América Latina (contra a Venezuela e Nicarágua) pelo secretário-geral anterior, apoiado pelos EUA, e manifestou seu interesse em que o novo secretário-geral atue de forma “independente, conciliadora e inclusiva” (antecipando qualquer pressão norte-americana)

Essas declarações e posições não contribuem para uma atitude de moderação e pragmatismo, seguida por todos os outros países, esperando as medidas concretas para depois pronunciar-se na defesa de seus interesses.

‘A nota sobre a imposição de tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio a todos os países adotou corretamente um tom moderado, pregando o diálogo’

A nota de ontem sobre a imposição de tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio a todos os países, inclusive o Brasil, chamou a decisão norte-americana de injustificável e equivocada, mas adotou, corretamente, um tom moderado, pregando o diálogo e ressaltando que, se não for restabelecido o sistema de cotas, as indústrias do setor do aço do Brasil e dos EUA vão sair perdendo.

Resta saber como Lula ou o governo brasileiro vão reagir se o Congresso dos EUA aprovar projeto de lei que prevê medidas contra Alexandre de Moraes, do STF, pela disputa com Elon Musk (de clara inspiração da oposição bolsonarista em Washington).

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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