27 outubro 2023

Rubens Barbosa: A Argentina entre o mau e o pior

Candidato governista, o ministro da Economia Sergio Massa surpreendeu ao vencer o primeiro turno das eleições se aproveitando de benesses oferecidas à população. Para embaixador, caso ele seja eleito, vai precisar produzir um choque na economia para estancar a ladeira abaixo da renda e do crescimento do país

Candidato governista, o ministro da Economia Sergio Massa surpreendeu ao vencer o primeiro turno das eleições se aproveitando de benesses oferecidas à população. Para embaixador, caso ele seja eleito, vai precisar produzir um choque na economia para estancar a ladeira abaixo da renda e do crescimento do país

O ministro da Economia e candidato a presidente da Argentina, Sergio Massa, durante visita a Brasília (Foto: Valter Campanato/EBC)

Por Rubens Barbosa*

Há quatro tipo de países no mundo: desenvolvidos, em desenvolvimento, Japão e Argentina.

A vitória de Sergio Massa no primeiro turno das eleições presidenciais de domingo na Argentina causou certa surpresa, em função da vantagem de Javier Milei nas prévias realizadas duas semanas antes. A segunda colocação de Massa, apesar de todo o desgaste político do governo, já indicava a resiliência do peronismo.

Como se pode explicar a reviravolta dos resultados? 

‘Massa, ministro da Economia, conseguiu superar os resultados muito negativos da economia do governo de Alberto Fernández pela força da máquina estatal’

Em primeiro lugar, a força política do peronismo. Massa, ministro da Economia, conseguiu superar os resultados muito negativos da economia do governo de Alberto Fernández pela força da máquina estatal e das benesses distribuídas nos últimos meses para população (congelamento dos preços das tarifas públicas, dos combustíveis e do câmbio, isenções de imposto de renda para a maioria dos assalariados, créditos subsidiados, diversos abonos salariais), pela ação dos sindicatos, pela redução do desemprego. 

Em segundo lugar, pelo medo das consequências imprevisíveis das promessas de campanha de Milei (dolarização da economia, acabar com o Banco Central, privatizar a saúde e educação, sair do Mercosul, não comerciar com “comunistas” como a China e o Brasil). 

Em terceiro lugar, pelo crescimento do candidato peronista ao governo da província de Buenos Aires, que, vitorioso, ampliou a margem de Massa sobre Milei no maior centro eleitoral do país. 

‘Milei pagou caro por uma campanha exótica, ultraliberal, que aparentemente criou resistências no grupo eleitoral mais idoso e conservador’

Por outro lado, Milei pagou caro por uma campanha exótica, ultraliberal, que aparentemente criou resistências no grupo eleitoral mais idoso e conservador, conseguindo conter o ânimo dos jovens que maciçamente votaram em Milei. 

Quais as perspectivas para o segundo turno? 

Aparentemente Milei bateu no teto dos votos de seus apoiadores. A maioria dos votos de Patricia Bullrich, conservadora, deverão migrar para Massa, apesar de seu grupo politico declarar apoio a Milei, o que poderá assegurar a vitória de Massa no segundo turno em 19 de novembro próximo. 

Nos discursos depois da votação, Milei mostrou-se menos radical, evitando repetir suas promessas drásticas. Massa apareceu moderado, propondo um governo de união nacional para a superação da crise econômica do país. 

Massa vai manter a narrativa de desconstrução das propostas anarcocapitalistas de Milei. Milei conta com o apoio do ex-presidente Macri e seus partidários para mostrar menos exotismo em suas propostas.

‘Caso não surja nenhum elemento novo, tudo indica que Massa poderá repetir o resultado no segundo turno e tornar-se o próximo presidente argentino’

Caso não surja nenhum elemento novo, tudo indica que Massa poderá repetir o resultado no segundo turno e tornar-se o próximo presidente argentino. A declaração de apoio de Bullrich a Milei acende uma luz amarela na campanha de Massa.

A grande questão é como Massa vai tentar conter a crise. 

Na raiz da crise atual estão as benesses concedidas, inclusive para a energia, que representam 82% do déficit fiscal. As subvenções terão de ser revistas para reduzir o déficit público e não terão apoio da população que delas se beneficiou. Os empresários privados e o mercado financeiro esperam medidas para estabilizar a economia e vão apoiar Massa por considerar que ele poderá ser menos traumático do que Milei e vai se afastar do kirchnerismo, responsável pela situação dramática da economia argentina hoje.  

No Congresso, o peronismo, embora não tendo maioria absoluta, conquistou a maior bancada, o que facilitará a governabilidade e a negociação politica para a implementação de politicas duras que serão necessárias. 

‘Para a tranquilidade do mercado e dos círculos políticos argentinos, o medo venceu’ 

Massa repetirá o caminho político de FHC no Brasil, passando de ministro da Fazenda a presidente da República. Dada a gravidade da crise econômica na Argentina com inflação de cerca de 150%, taxa de câmbio perto de 1.000 pesos por dólar, com reserva quase inexistentes, com o comércio exterior afetado por tudo isso e mais as condições climáticas desfavoráveis, que derrubam as receitas das exportações agrícolas, a grande incerteza será a capacidade de Massa produzir um choque na economia para estancar a ladeira abaixo da renda, dos ingressos e do crescimento do país. Suas apostas são a expectativa de melhores colheitas e de exportações do gás natural de Vaca Muerta. Para a tranquilidade do mercado e dos círculos políticos argentinos, o medo venceu. 

O governo Lula respirará aliviado com a vitória peronista. Lula apoiou ostensivamente o candidato Massa, não com recursos financeiros para a Argentina, mas com o envio de marketeiros que ajudaram na campanha. É possível que, no segundo turno, Lula volte a se manifestar favoravelmente a Massa.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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