12 maio 2023

Rubens Barbosa: Amorim na Ucrânia

Embora a expectativa de Lula fosse que a viagem do assessor especial trouxesse indícios e soluções para que se possa começar a conversar sobre a paz, as perspectivas de negociação para a suspensão das hostilidades estão ainda muito difusas e distantes

Embora a expectativa de Lula fosse que a viagem do assessor especial trouxesse indícios e soluções para que se possa começar a conversar sobre a paz, as perspectivas de negociação para a suspensão das hostilidades estão ainda muito difusas e distantes

O assessor especial para política externa do presidente Lula, Celso Amorim, durante reunião no Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, em Kiev (Foto: Governo da Ucrânia)

Por Rubens Barbosa*

Depois das controvertidas declarações sobre a guerra na Ucrânia, em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva responsabilizou tanto a Rússia quanto a Ucrânia pela guerra e a Europa e os EUA pelo prolongamento do conflito, em vista da grande repercussão negativa, não atenuada apesar das retificações feitas durante os encontros em Portugal e na Espanha, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, foi enviado para se encontrar com Volodimir Zelensky. Com esse gesto, Lula quer mostrar que está preparado para conversar com os dois lados, não apenas com Putin e Lavrov.

A ideia do governo brasileiro é conseguir o apoio de Zelensky para a necessidade de abrir canais de diálogo e a urgência de ouvir todas as partes envolvidas no conflito e mostrar equidistância aos governos europeus, que reagiram fortemente às declarações de Lula, colocando em risco até mesmo a finalização do acordo de livre comércio do Mercosul com a União Europeia.

A viagem envolvia o risco de Amorim visitar os locais onde, segundo Zelensky, as tropas russas cometeram crimes de guerra com a morte violenta de civis ser explorada politicamente e mostrar ao mundo que Kiev também tem de ser ouvida e ser apresentada como um reforço às posições ucranianas e uma fraqueza da pretensão brasileira de criar um grupo da paz e para demonstrar que a tentativa de trazer os dois lados para a mesa de negociação não tinha um equilíbrio entre os dois lados. As autoridades brasileiras deixaram saber ao governo ucraniano que deveria ser evitada a narrativa de que a viagem fosse apresentada como um apoio às posições de Kiev e que as imagens não fossem utilizadas como propaganda de guerra.

Embora a expectativa de Lula fosse de que Amorim trouxesse não a solução, mas indícios e soluções para que se possa começar a conversar sobre a paz, as poucas informações que circulam dão conta que as perspectivas de negociação para a suspensão das hostilidades estão ainda muito difusas e distantes. É preciso fazer concessões, disse Amorim a Zelensky. As pré-condições de ambos os lados (retirada das tropas russas do território ucraniano e recuperação do território ocupado de um lado e ocupação do território ucraniano e da Crimeia e não acesso à Otan, de outro) afastam qualquer possibilidade nesse sentido a curto prazo e muito menos um Tratado de Paz.

Amorim se reuniu com Zelensky e membros do seu gabinete. Segundo Amorim, “o diálogo foi positivo, de criação de confiança, visando a explicar nossos objetivos de paz”. O governo ucraniano divulgou nota em que afirma ter “avaliado positivamente as intenções de Lula de facilitar a paz”. “Convidamos o Brasil a se engajar ativamente na implementação da fórmula de paz do presidente Zelensky e que o Brasil pode ter um papel importante para parar a agressão russa”.

‘O problema é que a visita de Amorim coincide com os ataques russos intensificados a Kiev e com a anunciada contraofensiva ucraniana para retomar o controle das áreas ocupadas por Moscou’

O problema é que a visita de Amorim coincide com os ataques russos intensificados a Kiev e com a anunciada contraofensiva ucraniana para retomar o controle das áreas ocupadas por Moscou, especialmente na região de Dunbass a leste do país. Nesse contexto, ninguém está interessado no encaminhamento da suspensão das hostilidades e o início de conversas para tanto. Ao contrário, todas as partes envolvidas, em especial os EUA e os países membros da Otan, continuam a reforçar a capacidade bélica da Ucrânia, e a Rússia está intensificando os ataques com mísseis, inclusive supersônicos, e fortificando suas posições defensivas.

Além da tentativa de contornar as críticas europeias, diretas ou indiretas, como se viu na visita do primeiro-ministro da Holanda nesta semana, a decisão de Lula de enviar Amorim para conversar com Zelensky provavelmente teve a ver também com a ida do presidente à reunião do G7 em Tóquio e a tentativa de mostrar equilíbrio nas posições do governo brasileiro. Essa posição vai ser mais uma vez testada na resposta que Brasília dará à Ucrânia no tocante à solicitação feita ao Ministério da Defesa de compra de 450 veículos Guarani ambulância, veículos blindados para emergência humanitária e retirada de civis das zonas de conflito e transporte de feridos das zonas de combate até os hospitais. Com componentes da Alemanha, se houver nova recusa de parte do governo brasileiro, deve haver nova retaliação por parte de Berlim. Se for concedida autorização, a retórica de que o Brasil não quer participar de nenhuma forma na guerra, cairá por terra. 


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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