22 setembro 2023

Rubens Barbosa: Lula na ONU

Em discurso de abertura da Assembleia Geral, presidente fugiu da regra dos últimos anos ao se dirigir ao mundo em vez de focar nos temas domésticos do país. Para embaixador, Brasil demonstrou interesse em ter um papel de liderança internacional, buscando um lugar de destaque nas relações globais

Em discurso de abertura da Assembleia Geral, presidente fugiu da regra dos últimos anos ao se dirigir ao mundo em vez de focar nos temas domésticos do país. Para embaixador, Brasil demonstrou interesse em ter um papel de liderança internacional, buscando um lugar de destaque nas relações globais

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante abertura do Debate Geral da 78º Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Por Rubens Barbosa*

Como ocorre todos os anos, desde 1946, no início da semana o Brasil abriu o debate na Assembleia Geral das Nações Unidas, esvaziada pela ausência de quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, além da não participação do primeiro-ministro da India e do presidente da China.

O presidente Lula fugiu da regra dos discursos presidenciais da ultima década. O próprio Lula, Dilma e Bolsonaro aproveitaram a tribuna da ONU para falar para seu público doméstico. Os longos e cansativos discursos eram na realidade memorandos sobre a política e a economia internas no Brasil. Até o número de decretos foi mencionado. A politica interna, contudo, não deixou de ser mencionada de passagem quando o presidente disse que a missão do seu governo é buscar a união e a reconstrução nacional. Forçando um pouco, observou que o neoliberalismo produziu o nacionalismo autoritário e que, de novo, a esperança venceu o medo. Anunciou ainda um novo programa sobre igualdade racial a ser lançado por seu governo e notou as ações de fiscalizações e combate ao crime organizado na Amazônia foram retomadas.

A grande e importante novidade na fala foi a maneira como as posições do governo brasileiro foram apresentadas. Lula se dirigiu ao mundo e não ao público interno. No centro de sua exposição esteve a desigualdade (citada 14 vezes) em todos os aspectos: políticos, econômicos, comerciais, sociais, reiterando o interesse brasileiro em cumprir todos os compromissos internacionais e domésticos para buscar a redução desses desequilíbrios. Criticou a falta de vontade politica e os reduzidos progressos nos programas internacionais nesse sentido, inclusive a Agenda 2030 e seus 17 objetivos.

‘Todos os temas que Lula tem tratado nos primeiros nove meses de governo, com a ênfase de que o Brasil está de volta ao cenário internacional, foram reiterados’

Na sua apresentação, Lula não trouxe nenhum tema novo. Todos os temas que Lula tem tratado nos primeiros nove meses de governo, com a ênfase de que o Brasil está de volta ao cenário internacional, foram reiterados. Temas que o Brasil abordou nas 21 reuniões bilaterais no exterior e nos encontros multilaterais como a COP no Egito, no G7, no G20, no Brics, na reunião de cúpula dos presidentes sul-americanos, na Cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica foram colocados de maneira clara para a Assembleia Geral. 

Desenvolvimento social (combate a fome e a pobreza), desenvolvimento sustentável, segurança energética, reforma da governança dos organismos internacionais, unilateralismo nas decisões dos países desenvolvidos no tocante às sanções econômicas e comerciais, defesa da democracia, crítica da extrema-direita nacionalista e autoritária, liberdade de imprensa e desinformação e fim do desmatamento da Amazonia estiveram no centro do discurso.

‘Lula mostrou a aspiração de ter um papel de liderança, e ser um porta-voz do chamado Sul Global nos temas que considera prioritários para a segurança global’

Lula mostrou a aspiração do Brasil – e de si próprio indiretamente – de ter um papel de liderança, e ser um porta-voz do chamado Sul Global nos temas que considera prioritários para a segurança global. Nesse contexto, reiterou as críticas à inoperância do Conselho de Segurança da ONU e a necessidade de sua ampliação entre os membros permanentes e nos rotativos e insistiu na reforma do Banco Mundial e do FMI, tanto na governança, quanto nos recursos destinados aos países mais pobres. Não deixou de mencionar a necessidade de se buscar a paz na Europa, reiterando a posição de equidistância do Brasil ao condenar a invasão e a quebra da integridade territorial da Ucrânia, contrárias à Carta das Nações Unidas e a paralisia do CSNU.

Coerente com sua narrativa sobre a volta do Brasil ao cenário internacional, Lula indicou sua percepção de que deve ser o lugar do Brasil no mundo, as aspirações nacionais de liderar nas areas em que tem poder especifico e como o pais pode contribuir para alcançar a redução das desigualdades em todos os aspectos. Nesse contexto mencionou o papel que o Brasil vai desempenhar nas próximas reuniões em 2024 e 2025 no G-20, na COP 30 e no Brics que serão realizadas no Brasil.

‘Houve lacunas e contradições, como se poderia esperar’

Houve lacunas e contradições, como se poderia esperar. Ao criticar as ameaças à democracia na Guatemala e em países africanos, deixou de se referir à situação em Cuba, Nicarágua e Venezuela. Quando fala da desigualdade no mundo, parece ignorar que o Brasil é um dos  países mais desiguais do mundo em termos sociais. Quando fala da Amazônia, ainda não decidiu sobre a exploração de petróleo na região equatorial. Quando fala do fortalecimento do multilateralismo, cogita abandonar o Tribunal Penal Internacional.

No encontro bilateral com Biden – os dois presidentes de olho nas próximas eleições presidenciais – foi lançada a Parceria pelos Direito dos Trabalhadores e Trabalhadoras, com o objetivo de ampliar uma coalizão global contra a precarização do trabalho dos trabalhadores, inclusive no tocante ao desenvolvimento sustentável. Essa iniciativa inaugura uma nova era nas relações com os EUA, segundo Lula. 

No encontro com Zelensky não houve nada de novo, mas o gelo entre os dois presidentes foi quebrado, e o Brasil vai continuar a insistir no diálogo e a participar dos esforços diplomáticos, inclusive o que vai ser lançado pela Ucrânia em outubro. 


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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