Rubens Barbosa: O acordo Mercosul-UE será finalmente assinado?
Viagem de Lula à Europa colocou o avanço das negociações como uma das prioridades das relações exteriores do Brasil na tentativa de concluir o acordo ainda neste ano. Para embaixador, entretanto, ainda há detalhes a serem acertados, e a legislação europeia sobre meio ambiente ainda pode atrapalhar os entendimentos
Viagem de Lula à Europa colocou o avanço das negociações como uma das prioridades das relações exteriores do Brasil na tentativa de concluir o acordo ainda neste ano. Para embaixador, entretanto, ainda há detalhes a serem acertados, e a legislação europeia sobre meio ambiente ainda pode atrapalhar os entendimentos
Por Rubens Barbosa*
Na viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Portugal e Espanha nesta semana as negociações do acordo entre o Mercosul e a União Europeia foram um dos itens mais importantes da agenda bilateral, em especial porque a Espanha estará, no segundo semestre, na Presidência da UE ao mesmo tempo em que o Brasil estará na coordenação do Mercosul.
No comunicado conjunto com Portugal, foi expressamente incluída referência sobre essa questão: “Os dois chefes de governo reafirmaram a convicção partilhada sobre as vantagens mútuas do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, sublinhando o entendimento comum sobre o alcance politicamente estratégico da conclusão do acordo e do seu enorme potencial no reforço dos laços políticos, econômicos e de cooperação entre as duas regiões. Destacaram, igualmente, o impacto muito positivo que o acordo terá no nível econômico, com o acesso aos mercados respectivos para potenciar uma maior participação nas cadeias de abastecimento, cuja diversificação e resiliência são essenciais. Reconheceram, também, a contribuição do acordo em matéria de desenvolvimento sustentável, nas suas três dimensões, ambiental, econômica e social. Os dois governantes reiteraram a importância da intensificação dos esforços para alcançar um compromisso equilibrado e mutuamente benéfico, para que, com a maior rapidez, se possa avançar para a assinatura e ratificação do acordo neste ano”.
O secretário executivo do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, ao confirmar o interesse do governo brasileiro em que o acordo seja concluído e assinado ainda neste semestre, disse que, além da questão de meio ambiente, outro assunto que ainda deveria ser concluído é a questão trabalhista. “Falta equilíbrio nas condições sugeridas pela União Europeia, Na hora de fechar o acordo temos de pensar igual na questão de proteção ao trabalhador”.
Por outro lado, ainda não há uma decisão firme do governo brasileiro sobre a possibilidade de reabertura do acordo para atender às pressões da indústria da Argentina e do Brasil no tocante à questão de compras governamentais. O presidente Lula disse também que, se depender dele, não vai tomar medidas que possam atrasar a assinatura do acordo.
No tocante às negociações, os governos dos países do Mercosul, em especial Argentina e Brasil, estão preparando resposta ao documento encaminhado pela União Europeia no início de abril. Está sendo elaborada uma resposta que deve rechaçar as medidas restritivas incluídas no documento europeu e dar destaque às responsabilidades sociais e ambientais dos países do grupo. O encontro técnico entre os dois grupos, marcado para a semana passada a fim de examinar a resposta, foi adiado para fins de maio, quando as negociações sobre esse item deverão ser encerradas.
A União Europeia estaria interessada em aproveitar a cúpula com a Celac em meados de julho para assinar o acordo colocando um ponto final em mais de 20 anos de negociação. O mais provável, contudo, é que, se aprovado por todos (há os que duvidam que isso possa acontecer), o acordo seja assinado no segundo semestre nas presidências da Espanha e do Brasil.
Para complicar os entendimentos com a União Europeia, nos últimos dias 18 e 19, o Parlamento Europeu, no contexto da política ambiental (green deal), aprovou legislação para combater o desmatamento em florestas tropicais e para instituir a primeira taxa de carbono no mundo (Carbon Border Adjustment Mechanism – CBAM).
O regulamento CBAM exigirá que os importadores de certos bens com utilização intensiva de carbono paguem uma taxa sobre as suas importações, correspondente ao valor imposto às indústrias nacionais sujeitas ao Regime Comunitário de Licenças de Emissão da União Europeia (RCLE-EU), alargando, assim, o preço do carbono pago pelas empresas da UE aos produtores estrangeiros das mesmas mercadorias.
O CBAM será aplicado na importação de cimento, aço e ferro, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. Durante o período de transição, de 1º de outubro deste ano até o fim de 2025, os importadores deverão apresentar um relatório contendo informações sobre as mercadorias em questão. A proibição da importação por empresas europeias de produtos agrícolas oriundos de áreas desmatadas afetará a exportação de café, carne bovina, soja, óleo de palma, madeira, cacau, borracha, carvão vegetal e produtos derivados, como couro, chocolate e móveis.
As leis ainda precisam ser aprovadas pelos países antes de entrar em vigor. Essas medidas restritivas acarretarão novos desafios para os exportadores brasileiros, em especial com um aumento considerável dos custos de transação para adequação aos parâmetros do regulamento, exigindo sua preparação imediata, para evitar efeitos adversos de tal regulamentação sobre sua operação.
Também é possível prever uma provável reação por parte dos países exportadores com produtos cobertos pelo regulamento, de um ponto de vista dos acordos multilaterais de comércio internacional. No caso do Brasil, o Congresso Nacional deverá discutir medidas contra produtos da União Europeia por sugestão da bancada ruralista.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e nos Estados Unidos, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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