27 janeiro 2023

Rubens Barbosa: O modelo americano contra crises entre civis e militares

Documento publicado em 2022 nos EUA define os princípios do controle civil nas relações com as Forças Armadas do país e pode servir para pensar a situação no Brasil. O desenvolvimento de confiança mútua ajuda a superar as fricções existentes no processo decisório, deve construída na interação diária e exercida em tempos de crise

Documento publicado em 2022 nos EUA define os princípios do controle civil nas relações com as Forças Armadas como base da democracia do país e pode servir para pensar a situação no Brasil. O desenvolvimento de confiança mútua ajuda a superar as fricções existentes no processo decisório, deve construída na interação diária e exercida em tempos de crise

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante discurso no Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos EUA (Foto: DoD)

Por Rubens Barbosa*

Em setembro de 2022, oito ex-secretários da Defesa e cinco ex-chefes do Estado Maior Conjunto dos EUA publicaram um documento sobre os princípios do controle civil nas relações com as Forças Armadas. Pela oportunidade e pela semelhança das questões que hoje são discutidas no Brasil com as preocupações das lideranças militares nos EUA, vale a pena mencionar algumas passagens do importante documento.

Segundo ele, o efetivo controle civil sobre os militares deve ser parte da sólida democracia nos EUA. O projeto democrático não fica ameaçado pela existência de posições firmes dos militares na medida em que os líderes civis e militares – e os membros das corporações liderados por eles – aceitem e implementem um efetivo controle civil.

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O controle civil dos militares deve ser compartilhado pelos três braços do governo. Em última análise, o controle civil é concedido pela vontade do povo expressa pela eleições. O controle civil deve ser exercido pelo Executivo por meio de ordens operacionais, pela cadeia de comando, desde o presidente até o ministro civil da Defesa.

O controle civil é também exercido pelo Executivo pelo desenvolvimento de políticas e sua implementação pelos diferentes órgãos do governo, que conferem poderes às nomeações políticas que servirão por vontade presidencial e por representantes de carreiras do serviço público para dar forma aos planos e opções com o conselho dos militares. O chefe do comando conjunto das Forças Armadas não está formalmente na cadeia de comando, mas as melhores práticas incluem o chefe do comando conjunto na cadeia de comunicação para a expedição de ordens e o desenvolvimento de políticas.

O controle civil deve ser exercido pelo Legislativo por meio de poderes enunciados pela Constituição, a começar pelo poder de declarar guerra e buscar apoio às Forças Armadas. O Congresso determina e autoriza os recursos públicos, sem os quais a atividade militar é impossível. O Senado examina e aprova as promoções de oficiais acima de determinado nível. O Senado também é responsável pela nomeação de civis para altos cargos do Executivo e do Judiciário. O Congresso conduz a supervisão de atividades militares e de civis. Os membros do Congresso podem atribuir poderes ao pessoal dos comitês para sugerir políticas para decisão dos comitês e do Congresso e dessa forma ter um papel importantes na supervisão civil de políticas.

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Em certos casos ou em controvérsias, o controle civil é exercido pelo poder Judiciário pela revisão de políticas, ordens executivas e ações envolvendo os militares. Na prática, o poder de declarar ilegais políticas, ordens e ações ou inconstitucionais é decisivo porque os militares são obrigados (por lei ou pela ética profissional) a se recusar a cumprir uma política, ordem ou ação ilegal ou inconstitucional.

Enquanto o sistema civil-militar está preparado e pode responder rapidamente para defender a nação em tempos de crise, ele deve estar construído para assegurar que o poder de força e coerção das Forças Armadas não seja mal utilizado.

Os militares têm obrigação de auxiliar os líderes civis no Executivo e no Legislativo no desenvolvimento de diretivas justas e éticas e devem executá-las, desde que sejam legais. É responsabilidade dos líderes civis e dos militares mais graduados oferecer ao presidente sua opinião e conselho sobre as implicações de uma determinada ordem.

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Os militares devem executar ordens legais, mesmo que eles tenham dúvidas sobre sua justeza. Os servidores civis devem dar aos militares ampla oportunidade para expressar suas dúvidas pelos canais apropriados. Civis e oficiais militares devem tomar cuidado para caracterizar de forma apropriada suas opiniões em público. Os líderes civis devem ser responsáveis pelas consequências dos atos que eles aprovam. Os militares reforçam o efetivo controle civil quando eles buscam esclarecimento, levantam questões sobre efeitos secundários e propõem alternativas que poderiam não ter sido consideradas.

Confiança mútua ajuda a superar as fricções existentes no processo decisório – confiança de baixo para cima, que os líderes civis explorarão as alternativas que serão melhores para o país, apesar das implicações para a política partidária; e confiança de cima para baixo, que os militares executarão fielmente diretivas que vão contra as preferências profissionais deles. A confiança será construída na interação diária e serão exercidas em tempos de crise.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

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Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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