16 fevereiro 2024

Rubens Barbosa: O vexame no futebol e o cenário nacional

O Brasil, país do futebol, enfrenta uma situação constrangedora em um dos fatores mais positivos para seu soft power. Para embaixador, o esporte é mais um triste exemplo de como o país está regredindo e comprometendo o futuro das novas gerações

O Brasil, país do futebol, enfrenta uma situação constrangedora em um dos fatores mais positivos para seu soft power. Para embaixador, o esporte é mais um triste exemplo de como o país está regredindo e comprometendo o futuro das novas gerações

Torcedores assistem à eliminação do Brasil na Copa do Mundo Feminina da FIFA (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Por Rubens Barbosa*

A seleção brasileira masculina de futebol está fora das Olimpíadas. Bi-campeão Olímpico, o Brasil não conseguiu se classificar para os Jogos de Paris. A derrota para o Paraguai e a Argentina amplia a lista de vexames recentes do futebol brasileiro. A seleção nacional está em sexto lugar nas eliminatórias para a classificação para o Mundial de 2026, que será realizado no Canadá, nos EUA e no México. Se não melhorar seu desempenho, poderá deixar o Brasil ficar fora pela primeira vez na história do Mundial. A seleção feminina foi desclassificada na primeira fase do mundial. A seleção sub-20 foi igualmente desclassificada do mundial por Israel.

‘Num dos piores momentos do futebol brasileiro, o desempenho medíocre dessas seleções ocorre em um momento de grande confusão política e esportiva’

Num dos piores momentos do futebol brasileiro, o desempenho medíocre dessas seleções ocorre em um momento de grande confusão política e esportiva, pois a classificação do Brasil para o mundial esteve ameaçada mesmo antes da recém-terminada competição. 

A Fifa indicou que iria cortar o Brasil por não reconhecer a destituição do presidente da CBF por decisão do Tribunal de Justiça do Rio. O problema foi superado pela intervenção do STF ao anular a decisão judicial regional. 

Com a volta do presidente destituído, o Brasil pode participar do torneio classificatório, mas, além disso, houve a substituição do técnico da seleção nacional, que nas seis partidas em que comandou o time principal do país registrou três derrotas consecutivas, além da primeira derrota como mandante na história das eliminatórias.

‘Resultados negativos refletem a desorganização do planejamento das atividades futebolísticas a começar pela CBF, passando pelos estados e acabando na própria gestão dos clubes’

Esses resultados negativos refletem a desorganização do planejamento das atividades futebolísticas a começar pela CBF, passando pelos estados e acabando na própria gestão dos clubes. Estamos longe da gestão de clubes ingleses, espanhóis e alemães, transformados em empresas rentáveis, cotadas em Bolsa, muito diferente da gestão dos clubes brasileiros, dominados pela cartolagem, com outros interesses.

O Brasil, país do futebol, a pátria de chuteiras rodriguiana, enfrenta uma situação constrangedora em um dos fatores mais positivos para seu soft power, junto com a música. A situação fica mais constrangedora quando agora sabemos do planejamento e da ação da Arábia Saudita para promover o futebol, que hoje passou a ser transmitido até no Brasil.

‘A disfuncionalidade da ação pública está criando uma situação difícil para combater a corrupção, a violência, o crime organizado’

É inevitável pensar que essa crise no futebol não é isolada. A disfuncionalidade da ação pública em todos os níveis – federal, estadual e municipal – já há algum tempo está criando uma situação difícil para combater a corrupção, a violência, o crime organizado, entre outras mazelas, além dos privilégios e ineficiências do setor público.

Essa questão está atualmente agravada pela polarização e radicalização da política interna brasileira, como ocorre nos EUA e em outros países, pela falta de liderança em todas as áreas: política, econômica, empresarial, industrial, agrícola e nos esportes em geral, sobretudo no futebol.

‘Essa divisão interna gera conflitos entre os poderes e impede a formulação de uma visão de médio e longo prazos’

Essa divisão interna gera conflitos entre os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) de um lado e impede a formulação pelo governo de uma visão de médio e longo prazos. 

Os governos não têm metas nem objetivos claros para melhorar as condições de vida da população, para restaurar um crescimento sustentável, nem meios para defender plenamente a soberania do país, como ocorre hoje com a Amazônia, onde os grupos criminosos estão substituindo o Estado.

O futebol é mais um triste exemplo de como o país está regredindo ou estagnado, comprometendo o futuro das novas gerações.

Enquanto isso, a NFL, a liga do futebol americano – nada que ver com o nosso esporte maior – está exportando seu campeonato para o Brasil, a partir de setembro, em concorrência com o futebol nacional.


*Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental

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Rubens Barbosa escreve os editoriais do portal Interesse Nacional. Ele é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC, é presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e é autor de livros como 'Panorama visto de Londres', 'Integração econômica da América Latina', 'O dissenso de Washington', 'Diplomacia ambiental' e organizador do livro 'O Brasil voltou?'.

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