Rubens Barbosa: Os Estados Unidos e suas circunstâncias
Fragmentação política e polarização criam um cenário complexo em ano de eleições presidenciais no país. Radicalização inclui problemas domésticos e internacionais, e leva mesmo a um confronto explícito entre o Executivo e o Congresso
Fragmentação política e polarização criam um cenário complexo em ano de eleições presidenciais no país. Radicalização inclui problemas domésticos e internacionais, e leva mesmo a um confronto explícito entre o Executivo e o Congresso
Por Rubens Barbosa*
A situação política interna nos Estados Unidos continua a mostrar sinais de incerteza quanto aos futuros desdobramentos. Os temas dominantes hoje são a eleição presidencial de novembro próximo e as circunstâncias que a cercam.
A desigualdade e a fragmentação, características hoje da sociedade americana, estão tendo forte impacto sobre as ações do governo em Washington e nos Estados.
A crescente e visível desigualdade de renda que divide a classe média e alta, afluente, que hoje apoia majoritariamente o presidente Joe Biden, e a classe média baixa e os menos favorecidos, que hoje respaldam o ex-presidente Donald Trump, determinam posições políticas distintas em praticamente todas as áreas. A concentração de renda faz com que a alta inflação afete a população mais pobre, e o número dos sem teto, moradores de rua, aumenta em quase todos os Estados.
A fragmentação, com a crescente polarização da sociedade, pode ser exemplificada, entre outras, nas questões da imigração e a proteção da fronteira para impedir a entrada de imigrantes, do racismo, da percepção sobre a economia, das questões de costumes (gênero, aborto). O impeachment de um secretário de Estado (Homeland Security), a crise entre o governo do Texas e o federal sobre o policiamento da fronteira (havendo quem se lembre da possibilidade da secessão do Texas da União), a campanha contra a decisão da Suprema Corte sobre a proibição do aborto, as tentativas do judiciário de alguns estados como Colorado e Maine de impedir a candidatura Trump pelos eventos de 6 de janeiro e a decisão de corte estadual ao declarar que Trump não tem imunidade a respeito da responsabilidade pela invasão do Capitólio, são alguns dos exemplos que aguçam a polarização e serão julgados, em apelação, pela Corte Suprema.
A fragmentação, que coloca em polos opostos seguidores de Trump e apoiadores de Biden, radicaliza o clima político, estimulado pelas posições políticas assumidas pelos principais canais de TV (CNN e Fox News) e veiculadas pela mídia social.
Nesse contexto, os dois principais candidatos, o presidente Biden, pelo lado democrata, e Trump, pelos republicanos, estão dando início à campanha eleitoral, nas primárias estaduais, com ataques pessoais que ressaltam a idade e a perda de controle das rédeas de poder de Biden, e o populismo e o nacional-conservadorismo de Trump, que quer tornar os “EUA grandes novamente”.
Apesar da economia estar crescendo, do desemprego caindo a níveis mais baixos depois de muito anos, dos estímulos à industrialização, que estão ajudando a evolução positiva da economia, as taxas de juros e a inflação impactam politicamente e colocam hoje o ex-presidente à frente do atual nas pesquisas de opinião pública. Acompanhando de longe, Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul, se mantém como pré-candidata para ver o que acontece.
Para complicar o quadro, lá, como aqui, existe um confronto explícito entre o Executivo e o Congresso. Leis de interesse do Executivo, como recursos para ajuda à Ucrânia e a Israel estão bloqueados já há algum tempo. A legislação sobre o controle das fronteiras, apresentada pelos dois partidos, foi derrotada, aparentemente por influência dos seguidores de Trump, que não querem aprovar qualquer facilidade para os imigrantes.
Como se tudo isso não bastasse, para complicar o cenário, as eleições estão sendo contaminadas também pelo cenário externo.
Os EUA estão diretamente envolvidos em duas guerras: a da Europa entre a Rússia e a Ucrânia e a do Oriente Médio, entre Israel e o Hamas. O apoio irrestrito de Washington ao premiê Netanyahu está reduzindo o apoio de jovens e da esquerda do Partido Democrata a Biden. Os recursos que o governo americano quer enviar a Tel Aviv e a Kiev não estão sendo aprovados por falta de apoio de Biden no Congresso. Para recuperar seus índices de aprovação, mirando a eleição, Biden estaria mantendo conversas sigilosas para buscar um acordo de cessar-fogo com a liberação dos reféns israelenses, como um primeiro passo de uma estratégia mais ampla para estabilizar política e economicamente o Oriente Médio.
*Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental
Leia mais editoriais de Rubens Barbosa
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional