03 novembro 2023

Rubens Barbosa: Os EUA e a guerra de Israel contra o Hamas

Conflito amplia tensão regional e se torna uma prioridade para o governo americano. Para embaixador, entretanto, os EUA aparentemente estão chegando ao limite de tolerância em relação à ação militar contra o Hamas

Conflito amplia tensão regional e se torna uma prioridade para o governo americano. Para embaixador, entretanto, os EUA aparentemente estão chegando ao limite de tolerância em relação à ação militar contra o Hamas

Ataques com foguetes na guerra entre Israel e o Hamas (Foto: Eyad El Baba/Unicef)

Por Rubens Barbosa*

A guerra de Israel contra o Hamas avançou para sua segunda fase com a entrada das tropas e tanques em Gaza. O agravamento das questões humanitárias, com a escalada dos bombardeios e com o cerco de Gaza com as restrições ao fornecimento de energia, água e comida, aumenta a pressão da opinião pública mundial para a cessação do conflito e a entrada maciça de ajuda humanitária. 

Embora isolado no “inabalável “ apoio , politico, econômico e militar a Israel, os EUA  aparentemente estão chegando ao limite de tolerância em relação à ação militar contra o Hamas.  

Em entrevista – que teve pouca repercussão – concedida à CNN, o assessor de segurança nacional do EUA, Jack Sullivan, admitiu candidamente gestões privadas de Washington junto ao primeiro-ministro Netanyahu em cinco questões cruciais: cautela na invasão terrestre, proteção da população civil, negociação via Qatar para liberação dos reféns em mãos do Hamas, suspensão dos assentamentos ilegais de colonos israelitas na Cisjordania e a criação do Estado palestino. 

‘Netanyahu disse que não iria autorizar o cessar-fogo, apesar de toda a pressão humanitária e das gestões de Washington’

Sullivan deixou implícito na entrevista que o primeiro-ministro israelense não estava dando atenção às gestões dos EUA. Confirmando isso, Netanyahu, em entrevista pública, disse que não iria autorizar o cessar-fogo, apesar de toda a pressão humanitária e das gestões de Washington. 

Dependendo de como os EUA reagirem, Washington estará em uma posição de força para liderar uma solução politica a fim de encontrar uma fórmula para a desocupação do território na Faixa de Gaza e para fortalecer a Autoridade Palestina, parte legitima para participar dessa negociação, inclusive para a criação do Estado palestino.

Pela primeira vez, de forma pública e em gestões diplomáticas privada (os entendimentos de 1978 (Camp David) e em 1983 (acordo de Oslo), estavam na direção correta, mas os EUA não puseram ênfase na politica dos dois Estados. Os EUA estão realmente preocupados com a evolução da crise em Gaza e com políticas que coloquem fim a uma guerra que já dura 75 anos e garanta a segurança de Israel e o território e o Estado palestino.

Há um outro elemento pode ser um fator importante para impedir que a situação saia de controle e force uma ação mais determinada dos EUA: a opinião publica. 

‘É crescente a reação das ruas em todos os países árabes e em alguns países ocidentais’

É crescente a reação das ruas em todos os países árabes e em alguns países ocidentais, pela importância da participação de imigrantes de origem muçulmana nas populações locais (Inglaterra e França). Nos EUA, as demonstrações de apoio à questão palestina se sucedem, e os jovens filiados ao Partido Democrata se afastam de Biden e protestam contra a politica dos EUA para a região e exigem a criação do Estado palestino, como se viu na Universidade de Cornell e em audiência pública no Senado com o Secretário de Estado Antony Blinken.

A questão do Oriente Médio será um elemento presente com força na campanha eleitoral de 2024, e a administração Biden começa a dar sinais que terá de mudar de politica, se quiser contar com os votos dos jovens e da crescente comunidade muçulmana nos EUA.

Em termos regionais, a situação dos EUA, que nos últimos anos estava evoluindo para uma gradual perda de importância politica no Oriente Medio, transformou-se rapidamente para um total envolvimento politico e militar na região. 

O processo negociador não será breve, mas poderá ser facilitado pela mudança do governo em Tel Aviv com a substituição do premiê Netanyahu por uma coligação de centro-direita e não de extrema-direita como é hoje. As negociações visando a paz na região ocorrerão mesmo com a oposição de grupos radicais pelo apoio da opinião publica interna em Israel.

‘A posição isolada dos EUA no apoio incondicional a Israel mostrou que o único pais capaz de ter influência para tentar resolver essa histórica e dramática questão hoje são os EUA’

A posição isolada dos EUA no apoio incondicional a Israel, por pressão da opinião pública interna e global e do contexto eleitoral que se aproxima, mostrou que o único pais capaz de ter influência para tentar resolver essa histórica e dramática questão hoje são os EUA. Não haverá alternativa para Washington senão cobrar de Israel o preço do apoio, na linha das declarações de Sullivan, sob pena de ameaçar a eleição de Biden. Levando isso em conta, os EUA poderão liderar os esforços para aumentar a ajuda humanitária, a reconstrução de Gaza e o fortalecimento da Autoridade Palestina, o governo legitimo para negociar com Israel.  

Em termos geopolíticos, a China, a Rússia e o Irã não podem ou não querem interferir de forma ostensiva e forte no imbróglio politico da região e verão sua influência refluir, depois das ações da China para conseguir o restabelecimento das relações da Arabia Saudita com Teerã e da Rússia apoiando o Yemen e se aproximando de Teerã. De qualquer forma, não se pode excluir a escalada da guerra, em vista da reação à destruição de Gaza e a morte de milhares de civis, com a ampliação de uma guerra localizada para toda a região, o que aumenta a incerteza para o cenário politico e econômico global. Anuncia-se para esta sexta-feira (3), pronunciamento da liderança do Hezbollah e mais uma visita de Blinken a Israel, que poderão trazer fatos novos para a evolução do conflito.

A exemplo da primeira grande guerra, nenhum dos países direta ou indiretamente envolvido queria o início da guerra ampliada, mas ela ocorreu. Agora, há uma grande diferença: a existência de armas nucleares em vários países que poderiam se envolver no conflito.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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