01 dezembro 2023

Rubens Barbosa: Pensando o futuro

Livro revela cenário de incertezas políticas e econômicas em todo o mundo, com avaliação crítica sobre a situação do Brasil nas próximas décadas. Para embaixador, enquanto o mundo passa por grandes mudanças na economia e na ordem internacional, torna-se urgente uma reflexão sobre o impacto dessas transformações sobre as estratégias empresariais, do campo e da indústria, e governamentais

Livro revela cenário de incertezas políticas e econômicas em todo o mundo, com avaliação crítica sobre a situação do Brasil nas próximas décadas. Para embaixador, enquanto o mundo passa por grandes mudanças na economia e na ordem internacional, torna-se urgente uma reflexão sobre o impacto dessas transformações sobre as estratégias empresariais, do campo e da indústria, e governamentais

Cerimônia de Assinatura de Atos entre o Brasil e a China. Dependência em relação à economia do gigante asiático é uma vulnerabilidade para o Brasil, segundo livro (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Rubens Barbosa*

No Brasil, as dificuldades de curto prazo têm impedido um pensamento e mesmo uma discussão de médio e longo prazo sobre as vulnerabilidades da economia em consequência da concentração das exportações em poucos produtos e em poucos mercados.

Com o mundo passando por grandes mudanças tanto na economia quanto na ordem internacional, torna-se urgente uma reflexão sobre o impacto dessas transformações sobre as estratégias empresariais, do campo e da indústria, e governamentais.  

‘Livro oferece algumas percepções que deveriam merecer nossa reflexão para ajudar a pensar o Brasil no momento atual com projeção para o futuro’

O livro The End of the World is Just the Beginning – Mapping the collapse of globalisation, de Peter Zeihan, oferece algumas percepções que deveriam merecer nossa reflexão para ajudar a pensar o Brasil no momento atual com projeção para o futuro.

Segue um resumo de seus comentários sobre o Brasil:

Os números são bastante favoráveis na balança comercial, graças em boa parte às vendas para a China (37% da exportação agrícola). O que poderia acontecer para a economia brasileira se houvesse uma desaceleração chinesa? Nossas commodities serão talvez menos afetadas por serem produtos para a alimentação, mas a exportação de minério de ferro poderá ficar afetada. 

A produção no Brasil, seja ela de material agrícola, ferro ou qualquer outra coisa, é feita no interior do país, essas mercadorias precisam ser transportadas e seu custo é crescente (transporte e seguro). Isso só funciona quando o crédito é barato e o consumidor é bastante insensível aos preços, como aconteceu nos últimos 25 anos. Os chineses basicamente expandiram a sua oferta monetária, imprimindo moeda a um ritmo que o Brasil dos anos 1970 consideraria constrangedor. Eles têm essa aura de invencibilidade, mas a sua carga de dívida aumentou 35 vezes nos últimos 20 anos.  

A China poderá enfrentar uma crise financeira que poderia fazer com que a crise da América Latina na década de 1980 pareça apenas um piquenique. Se os chineses não continuarem sendo uma fonte infinita de dinheiro, muitos produtores do Brasil poderão deixar de ser viáveis. 

O Brasil precisa diversificar e aumentar a exportação de produtos de valor agregado, mais protegidos em relação ao que aconteça no futuro na China. As exportações poderão se aproveitar de possíveis novos compradores em regiões que estão se industrializando na Ásia. Não há razão para o Brasil ser apenas um país com uma pá que manda tudo para o exterior. O Brasil precisa reconstruir a sua base industrial. A urbanização foi acompanhada da desindustrialização.

Como base de seus comentários sobre o Brasil, Zeihan chama a atenção para os novos aspectos estratégicos, democráticos e econômicos da nova ordem internacional.

Em The End of the World is Just the Beginning, falando sobre a globalização, diz que ela ficará afetada, porque nas décadas de 1960 e 1970, a situação geopolítica estava em grande parte relacionada com petróleo e energia. O outro lado da Guerra Fria não era financeiramente ativo, e o mundo em desenvolvimento era muito limitado no seu envolvimento, geralmente de maneira indireta por meio de empréstimos. 

‘As perturbações no equilíbrio geopolítico afetam uma indústria que lidava até pouco tempo atrás com um ambiente rico em capital, de crescimento constante, e com a ascensão do mundo em desenvolvimento’

Hoje temos muito mais correntes cruzadas. O volume de recursos é maior e o número de jogadores é significativamente maior. As perturbações no equilíbrio geopolítico afetam uma indústria que lidava até pouco tempo atrás com um ambiente rico em capital, de crescimento constante, e com a ascensão do mundo em desenvolvimento. 

Segundo observa, “estrategicamente, os EUA nunca foram globalizados. As importações como percentual do PIB são de apenas 14%. Cerca de metade disso está dentro do Nafta (área de livre comércio da América do Norte). A globalização foi criada pelos EUA para construir uma aliança para enfrentar a Guerra Fria”. 

Com relação a demografia, Zeihan afirma que “à medida que você envelhece, seu patrimônio líquido aumenta. Para a maioria de nós, entre 55 e 65 anos é quando seremos mais ricos. Nossos filhos já saíram de casa, nossas despesas estão sob controle. A poupança detida pela faixa etária entre 55 e 65 anos representa 70% do capital privado global. Do início da década de 2000 ao final da década de 2010, a geração baby boomer mundial tinha entre 55 e 65 anos. Estávamos no máximo capital disponível. Para países como o Brasil, que entraram na história do desenvolvimento um pouco mais tarde, havia capital com o menor custo de toda a história. Mas essa situação foi um breve momento na história – e está chegando ao fim. As próximas gerações são menores e possuem menos recursos. Portanto, a disponibilidade global de capital irá diminuir num futuro próximo. Um desafio é que, se o Brasil continuar envelhecendo no ritmo atual, estará em uma situação parecida com a chinesa ou alemã até 2060, talvez 2070. E quando digo futuro previsível, estou falando de meio século. Uma das perguntas incômodas que as pessoas no setor financeiro terão que se fazer é se, num cenário de queda do capital, haverá a necessidade de tanta gente trabalhando na gestão de recursos. Todo o mundo rico está envelhecendo. Para haver comércio internacional, é preciso ter um número suficiente de jovens consumidores em diversos países. Há relações comerciais resultantes da ascensão chinesa, mas agora os chineses descobriram que simplesmente não têm filhos suficientes para manter um sistema orientado para o consumo”. 

Com relação à economia, todos os países deverão sentir os impactos negativos da desglobalização, de uma forma ou de outra, pela desaceleração do crescimento, pelas restrições comerciais, pelas políticas visando  auto-suficiência, pela gradual redução de consumidores.

O governo e o setor privado precisam levar em conta as transformações que estão ocorrendo no mundo e os impactos da geopolítica, da demografia e da economia global sobre a produção agrícola e industrial nos próximos anos.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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