Sediar reunião do G20 é oportunidade para o Brasil definir seu lugar no mundo
Sem muita força na questão da governança global, país deve concentrar esforços nos debates sobre combate à fome e transição energética. Para embaixador, trata-se de uma chance para o governo encontrar um papel relevante para a inserção externa do Brasil
Por Rubens Barbosa*
Avançam os preparativos e as coordenações interna e internacional para a realização dos encontros do G20 no Brasil. O país definiu que o foco do encontro ficará restrito a três itens: combate à fome, transição energética e negociação sobre governança global.
Dos três, claramente a questão da governança global está acima da capacidade de influência de Brasília e não deveria ter a prioridade que teve na primeira reunião do grupo em São Paulo, porque os conflitos globais e a complexa cena internacional vão desafiar a liderança brasileira no G20. A ideia de que o Brasil pode influir para construir pontes e consensos entre as maiores economias do mundo tem como obstáculo um contexto de crescentes conflitos globais, que colocam os países em campos opostos e dificultam a construção de diálogos para avançar a agenda de desenvolvimento.
O contrário ocorre com os outros dois itens, em que o Brasil terá muito a contribuir e deveria se constituir no centro das preocupações brasileiras: combate à fome e transição energética. Nos dois temas, o foco inicial deveria ser a busca por recursos para a execução de programa para avançar na agenda, visto que os números mencionados são altíssimos (US$ 4 trilhões).
A iniciativa chamada de Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, em construção, e que deverá ser divulgada em julho, deveria estar no centro das ações brasileiras no G20.
Estão sendo montadas algumas linhas de atuação como o Pilar Autônomo, central na Aliança, que se refere ao compromisso dos países aderentes de escolherem programas da cesta de propostas que está sendo montada. Um segundo pilar é o Financeiro, que estabelecerá mecanismos para que os países que integrem a iniciativa tenham acesso a recursos de organismos internacionais, doações privadas e de outras nações. O terceiro pilar trata do Conhecimento e da Cooperação. A proposta brasileira defende também a troca de dívida pela implementação de programas sociais (sobretudo na África, que detém uma dívida de US$ 850 bilhões).
O segundo tema que deveria concentrar a atenção do governo é o da transição energética. Essa questão aparece também nos encontros da COP. Seria uma boa oportunidade para discutir financeiramente esta questão na COP29 em Baku no Azerbaijão. Junto com a Aliança contra a Fome e a Pobreza, a transição energética deveria estar no centro das iniciativas brasileiras.
O Brasil é um dos países que estão preparados para liderar a transformação da matriz de energia fóssil em renovável, pelo conjunto das atividades que já estão sendo desenvolvidas. O risco é haver um atraso na utilização das tecnologias disponíveis para a redução das emissões de gás de efeito estufa.
Os trabalhos sobre hidrogênio verde e em outras áreas estão perigosamente atrasados. Investimentos são necessários, o que gerará emprego e renda, mas a coordenação interna é fundamental. Em termos de organização interna, segundo se sabe, foram constituídos quatro grupos de trabalho dentro do governo, envolvendo os principais ministérios diretamente interessados nos temas: Grupo de Sustentabilidade Climática e Ambiental, Grupo de Transição Energética, Mobilização Global para Mudança Climática e o Grupo de Iniciativa de Bioeconomia.
O Brasil teria muito a ganhar, caso desenvolva uma política ágil e coerente nesse particular. Os trabalhos do G20 poderão fazer com que os esforços internos não se atrasem e possam ser aproveitados até o fim do ano.
Realismo e pragmatismo serão cruciais para que o Brasil não perca mais uma oportunidade de definir seu lugar no mundo. Os encontros em 2024 e 2025 do G20, da COP30 e do Brics a terem lugar no Brasil talvez sejam a última oportunidade deste governo de encontrar um papel relevante para a inserção externa do país, longe da ideologia e das prioridades partidárias, na defesa do interesse nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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