05 abril 2024

Visita de Macron trouxe poucos resultados práticos para o Brasil

Presidente francês foi recebido com pompa em uma retribuição a gentilezas recebidas por Lula na França antes e depois da eleição. Para embaixador, apesar do clima amistoso, a pauta econômica teve pouca ênfase e houve avanços limitados nas negociações práticas entre os dois países

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Emmanuel Macron, no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

A visita do presidente Emmanuel Macron ao Brasil significou uma retomada de contatos da França com a América Latina, uma região amplamente relegada a um segundo plano pela diplomacia do país – apesar da fronteira de mais de 730 quilômetros da Guiana na Amazônia brasileira. Significou também uma retribuição de Lula às gentilezas de Macron na Europa antes e depois da eleição presidencial, quando foi recebido como chefe de Estado. 

Em termos de política interna e externa, Macron e Lula pouco têm em comum, com posições antagônicas quanto a medidas econômicas e comerciais e no tocante às declarações públicas relacionadas às guerras da Rússia na Ucrânia e na Faixa de Gaza. 

‘Apesar de se fazer acompanhar de comitiva de companhias francesas, não foram os interesses econômicos e comerciais que tiveram mais ênfase’

Apesar de se fazer acompanhar de comitiva com mais de 150 representantes de companhias francesas, não foram os interesses econômicos e comerciais que tiveram mais ênfase. Macron concentrou-se nas questões ambientais e de preservação das florestas. 

O documento mais importante foi o que retomou a “parceria estratégica” entre os dois países, envolvendo uma ampla relação de áreas. Entre as principais estão a cooperação no meio ambiente (no cumprimento das metas de redução de gás carbônico e do desmatamento florestal), na transição energética e no combate à pobreza. Além disso, na questão da governança global, a França reiterou o apoio ao Brasil para assumir assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Envolveu ainda a cooperação com a Guiana, na fronteira com o Amapá, além da coordenação nas reuniões do G20 e da COP30, para não ser sequestrada por temas conflituosos como as duas guerras em curso.

‘Macron reiterou as críticas que vem fazendo ao acordo Mercosul-União Europeia, ressaltando que a negociação está desatualizada’

Como era de esperar, Macron reiterou as críticas que vem fazendo ao acordo Mercosul-União Europeia, ressaltando que a negociação está desatualizada e que as questões ambientais não estão adequadamente refletidas no acordo. Com isso, contornou as restrições protecionistas contra os produtos agrícolas brasileiros. 

Lula procurou minimizar essas declarações, ao observar que não está negociando com a França, mas com um conjunto de países, na União Europeia. Poderia ter corrigido Macron e indicado que o acordo contém um capítulo sobre desenvolvimento sustentável e comércio exterior, o primeiro a ser incluído em qualquer acordo comercial e reforçado por troca de correspondência recente entre os dois lados. O governo francês não tem direito de veto, e o Conselho da Europa, no segundo semestre, vai avaliar a proposta, e por maioria deve aprovar o acordo.

Cabe ressaltar alguns aspectos controvertidos que passaram quase despercebidos nos comentários e análises sobre a visita.

  • Macron diz que discutir o status internacional da Amazônia é questão que se impõe, e Lula já aceitou a ideia de uma governança global para a região (enquanto o Brasil sempre defendeu a soberania da Amazônia e sua autoridade sobre o território amazonense) 
  • No tocante ao desmatamento e as emissões de gás carbônico, enquanto Macron quer impor restrições estritas sobre as exportações do Mercosul, os países europeus, inclusive a França, aprovam normas ambientais flexíveis para agricultores do bloco
  • Na área da energia nuclear, o governo brasileiro comprometeu-se a assinar acordo com a França para explorar urânio no Brasil (70% da eletricidade francesa tem origem na energia nuclear e o país aposta nesta fonte como caminho para transição energética. A França depende da importação de urânio e um dos seus principais fornecedores, o Níger, com instabilidade política, representa uma ameaça ao fornecimento regular do minério. O Brasil é o sexto maior detentor de reservas de urânio no mundo e é a opção óbvia. O Brasil negociou alguma contrapartida? Chegou a vincular a questão da tecnologia para os reatores do submarino?
  • Foi assinada uma declaração de intenção sobre o diálogo para a transição energética para o uso de minérios estratégicos e outra sobre matérias primas críticas (não houve divulgação de documentos)
  • Não foi assinado empréstimo 3 bilhões de euros para o desenvolvimento das usinas Angra 1 e Angra 3
  • Os dois países concordam em manter em alto nível a cooperação voltada à conclusão da construção dos submarinos convencionais e do desenvolvimento da parte não nuclear do projeto de submarino a propulsão nuclear brasileiro.
  • Foram tratadas também a continuação da construção de helicópteros franceses no Brasil e a cooperação em programas de cibersegurança e de cooperação transfronteiriça com a Guiana Francesa.
  • – Finalmente foi assinado um amplo acordo para regulamentar a troca de informação em assuntos sigilosos, que, além da rotina diplomática, pode ter a ver também com a cooperação na construção do submarino de propulsão nuclear brasileiro.

Apesar da pompa e circunstância que cercou a visita, não muito mais do que isso aconteceu. Houve ainda a condecoração de Raoni com a Legion D’Honneur francesa, lembrando as miçangas recebidas pelos tupinambás na corte francesa no século XVI.


Rubens Barbosa escreve os editoriais do portal Interesse Nacional. Ele é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC, é presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e é autor de livros como 'Panorama visto de Londres', 'Integração econômica da América Latina', 'O dissenso de Washington', 'Diplomacia ambiental' e organizador do livro 'O Brasil voltou?'.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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