17 fevereiro 2025

Trump e o Brasil

Novo governo dos EUA coloca o mundo em um contexto mais tenso e com crescentes pressões. Como o Brasil vai a responder a tais dinâmicas será decisivo não só para seu próprio futuro, como também o da região e talvez mesmo do planeta

Donald Trump recebe Jair Bolsonaro na Casa Branca, em 2019 (Foto: Isac Nóbrega/PR)

Os Estados Unidos estão testemunhando o retorno de um ex-presidente à Casa Branca apenas pela segunda vez em sua história. Nesse caso, trata-se de Donald Trump, uma das figuras mais divisivas do país, e que voltou pronto para implementar sua agenda America First.

Os EUA, o antigo hegemon global indiscutível, têm lutado para manter sua relevância global desde, pelo menos, a crise financeira de 2008. Foi então que blocos alternativos de governança, como o G-20, que havia sido criado anteriormente, consolidaram sua relevância. Nesse contexto, o retorno de Trump reflete o fato de que, pelo menos por enquanto, os EUA estão dobrando sua resistência às mudanças nos assuntos globais. 

‘O retorno de Trump reflete o fato de que, pelo menos por enquanto, os EUA estão dobrando sua resistência às mudanças nos assuntos globais’

Na verdade, mesmo o governo Biden não reverteu totalmente algumas das proteções econômicas implementadas durante o primeiro mandato de Trump, e medidas nacionalistas ainda mais fortes, até mesmo xenófobas, poderiam ser adotadas. Assim, o interesse declarado de Trump em atingir a China com tarifas mais altas poderia dificultar que o gigante asiático continuasse a servir como o principal mercado alternativo e fonte de investimento para as nações em desenvolvimento em todo o mundo. 

Trump também prometeu que iria perseguir as nações em desenvolvimento, especialmente aquelas que tentaram manter um curso autônomo de política externa, como o Brasil: uma economia emergente e uma força diplomática no Sul Global. Essas ações restringirão as opções de políticas das principais nações do Sul ou, ao contrário, levarão a uma cooperação mais estreita entre elas?

‘Os líderes do Sul Global terão pouca opção a não ser encontrar maneiras de proteger seus países das consequências das políticas de Trump’

Sem dúvida, os líderes do Sul Global terão pouca opção a não ser encontrar maneiras de proteger seus países das consequências das políticas de Trump. Muitos governos, por exemplo, continuarão a explorar alternativas à moeda americana, fazendo experiências com sistemas de pagamento sem dólar, moedas digitais e mecanismos de comércio em denominações locais para enfraquecer a capacidade da Casa Branca de coagir rivais por meio de sanções e outras restrições. Nesse cenário complexo, como os importantes tomadores de decisão brasileiros estão avaliando essa dinâmica complexa e os possíveis resultados?

Desde seu retorno ao poder no início de 2023, Lula tem tentado reviver um ato de equilíbrio que lhe serviu bem em seu mandato no poder. 

‘O Brasil tentou projetar tanto para os EUA quanto para a China a imagem de que o Brasil não quer escolher um lado’

Isso significa que ele tentou projetar tanto para os EUA quanto para a China a imagem de que o Brasil não quer escolher um lado no que a maioria dos analistas acredita ser uma disputa hegemônica crescente entre essas duas grandes potências.

A posição oficial da China é que não existe tal disputa ou, pelo menos, que a China não vê sua ascensão como uma necessidade de substituir os EUA. Mas não é assim que os EUA e grande parte do resto do mundo veem a situação.

Os planos de Lula, no entanto, parecem estar se tornando cada vez mais difíceis, tanto por causa da política externa mais agressiva de Trump quanto devido à influência contínua de pessoas alinhadas com Bolsonaro dentro do Itamaraty ou, pelo menos, muitos que veem que, caso o Brasil seja “forçado” a escolher um lado, deve permanecer mais alinhado com os EUA devido a razões históricas e ideológicas.

Além dessas duas últimas razões, é provável que, especialmente se Lula aumentar o tom de suas críticas contra Trump (como fez em relação aos planos de Trump para Gaza), a conexão de longa data de Bolsonaro com os associados próximos de Trump (por exemplo, Steve Bannon) poderia ser ativada para que Trump prestasse mais atenção ao Brasil (além do México e do Panamá na América Latina).

‘Lula poderá enfrentar pressões mais diretas de vários atores dentro da administração Trump’

Se isso vier a ocorrer – consolidando assim entre as administrações de Trump e os republicanos do Congresso a noção de que o Brasil sob Lula se tornou um regime autoritário, onde a censura contra a plataforma X continua a ocorrer (essa é a narrativa que os associados de Bolsonaro já começaram a disseminar em Washington) – Lula poderá enfrentar pressões mais diretas de vários atores dentro da administração Trump.

Isso pode envolver restrições comerciais (tarifas, dumping e práticas fitossanitárias), bem como simplesmente continuar a se referir a Lula como um governante autoritário. Isso aumentaria negativamente a situação já frágil que o governo de Lula enfrenta internamente, principalmente por fornecer linhas de ataque fáceis para os grupos de mídia conservadores do Brasil – bem como, como mencionado anteriormente, para as autoridades pró-EUA e anti-Lula no Itamaraty.

Se tudo isso acontecer, a pergunta na mente de todos é como Lula responderia. Ele aproveitará a oportunidade para fortalecer os laços com a China OU tentará apaziguar Trump? 

‘Grande parte da mídia e do establishment político vê o alinhamento do Brasil com os EUA como um curso de ação mais natural’

Embora existam fortes razões econômicas para a primeira opção (inclusive entre os apoiadores de Bolsonaro no setor de agronegócios), grande parte da mídia e do establishment político vê o alinhamento do Brasil com os EUA como um curso de ação mais natural.

Ao fim e ao cabo, muito dependerá mais do que Trump vier a fazer e, até certo ponto, de como o Brics poderá responder a algumas dessas ações. A liderança de Lula na América Latina não é tão alta quanto costumava (poderia) ser, de modo que o Brics se torna um espaço coletivo mais viável para reagir, embora o grupo, à medida que aumenta, se torne mais difícil de manobrar.

Ainda há muito a ser determinado pois apenas os primeiros passos de um longo jogo foram dados. De todo modo, é certo que estamos dentro de um contexto mais tenso e com crescentes pressões. Como o Brasil vier a responder a tais dinâmicas será decisivo não só para seu próprio futuro, como também o da região e talvez mesmo do mundo.

Rafael R. Ioris é professor de história latino-americana no Departamento de História da Universidade de Denver. É pesquisador do Instituto de Estudos dos Estados Unidos no Brasil e autor de vários artigos e capítulos de livros sobre a história do desenvolvimento no Brasil e em outras partes da América Latina e sobre o curso das relações EUA-América Latina, particularmente durante a Guerra Fria. Autor de livros como Qual desenvolvimento? Os debates, sentidos e lições da era desenvolvimentista, Transforming Brazil: A history of national development in the postwar era. É non-resident fellow do Washington Brazil Office, em DC.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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