Katharina Pistor – O novo Consenso de Washington
Nessa nova forma de Consenso de Washington, os negócios exercem um controle desproporcional sobre o governo. Em vez de buscar um desenvolvimento inclusivo e sustentável, o Novo Consenso estaria sendo moldado para fortalecer o poder de grandes corporações e dos Estados mais influentes, em detrimento da democracia, das economias emergentes e dos direitos da população global.
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Nos debates sobre economia global, poucos conceitos tiveram um impacto tão duradouro quanto o Consenso de Washington, um conjunto de princípios neoliberais que dominaram a política econômica mundial –com forte impacto sobre países em desenvolvimento especialmente na América Latina — desde o final do século XX. No entanto, a nova eleição de Donald Trump e a formação de um governo com grandes empresários e bilionários dos EUA muda o cenário e cria um novo contexto. Segundo a jurista Katharina Pistor, professora da Universidade de Columbia e especialista em direito e economia, um novo paradigma está emergindo: o Novo Consenso de Washington.
Em artigo recente, Pistor alega que este novo acordo sobre a economia global surge como resposta a uma conjuntura geopolítica e econômica cada vez mais fragmentada, marcada por crises financeiras, tensões comerciais e o avanço de potências emergentes como a China. Enquanto o Consenso original, formulado nos anos 1980 e 1990, pregava liberalização dos mercados, privatizações e austeridade fiscal como pilares do crescimento, a nova versão adota uma abordagem mais favorável às empresas e à centralização do seu poder político.
Nessa nova forma de Consenso de Washington, os negócios exercem um controle desproporcional sobre o governo. Dessa vez, há um reconhecimento explícito de que o Estado deve desempenhar um papel ativo na economia. No entanto, o problema, segundo Pistor, está no modo como esse novo modelo é implementado e nos interesses que ele realmente serve. Em vez de buscar um desenvolvimento inclusivo e sustentável, o Novo Consenso estaria sendo moldado para fortalecer o poder de grandes corporações e dos Estados mais influentes, em detrimento da democracia, das economias emergentes e dos direitos da população global.
A autora argumenta que a administração de Donald Trump exemplificou essa tendência, nomeando executivos de grandes empresas para posições-chave e priorizando seus interesses. Ela traça paralelos históricos com companhias coloniais, sugerindo que essa dinâmica pode levar a uma forma de “autocracia corporativa”.
A autora adverte que, ao permitir que os negócios dominem o governo, corremos o risco de minar a democracia e criar um sistema onde os interesses privados superam o bem público. O texto argumenta que o antigo ditado “o que é bom para os negócios é bom para o país” foi substituído por algo como “o governo é dos negócios”.
Pistor alerta para os riscos dessa nova abordagem, argumentando que ela pode aprofundar desigualdades e comprometer a governança democrática em escala global.
O artigo argumenta que o Novo Consenso de Washington se baseia em três pilares principais:
Governos passaram a incentivar setores estratégicos, como tecnologia e energia verde, por meio de subsídios e regulamentações. No entanto, essas políticas são frequentemente desenhadas para proteger as indústrias nacionais, em vez de promover um crescimento equilibrado entre países.
Diferente do liberalismo clássico, que pregava a interdependência econômica como meio de paz e prosperidade, o Novo Consenso enfatiza a necessidade de reduzir dependências estratégicas e garantir que cadeias produtivas estejam sob controle dos países ricos. Isso leva a medidas como restrições à exportação de tecnologia e políticas protecionistas.
O modelo emergente permite que corporações influenciem de maneira desproporcional as regras econômicas e políticas, garantindo que reformas favoreçam grandes conglomerados em detrimento de trabalhadores e pequenas economias. O papel de instituições como o FMI e o Banco Mundial se adapta a essa lógica, priorizando o financiamento de setores estratégicos ao invés de fomentar o desenvolvimento de países de baixa renda.
A principal preocupação da autora é que esse novo paradigma está reconfigurando o poder global de maneira que enfraquece a soberania de muitos países e limita o espaço para políticas democráticas mais igualitárias.
Enquanto algumas economias recebem apoio direto para fortalecer indústrias estratégicas, outras ficam presas em uma dependência estrutural, sem acesso a financiamento ou mercados internacionais competitivos. Isso pode ampliar desigualdades.
Erosão da governança multilateral: Com o crescente poder de grandes corporações e de Estados que controlam cadeias produtivas essenciais, a governança global pode se tornar ainda mais assimétrica, marginalizando países que não fazem parte do círculo de influência econômica.
Além disso, pode haver uma maior desconfiança nas instituições democráticas. Com políticas econômicas sendo formuladas para favorecer setores específicos em países desenvolvidos, muitas sociedades enfrentam crescentes movimentos populistas e antiglobalização, que podem levar a uma instabilidade política mais ampla.
O artigo de Pistor não indica o Novo Consenso de Washington como um avanço para a governança econômica global. Em vez disso, argumenta que ele reafirma desigualdades estruturais e concentra poder em mãos de poucos atores. Se o objetivo for construir um mundo mais sustentável e justo, será necessário um esforço coletivo para garantir que políticas econômicas beneficiem não apenas grandes potências e empresas, mas também sociedades que historicamente ficaram à margem do desenvolvimento global, diz.
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