Vamos discutir o Brasil
Audiência pública no Senado vai oferecer oportunidade para desafios das transformações na ordem internacional sejam examinados de forma objetiva, sem preocupações partidárias, colocando o Brasil em primeiro lugar

Na próxima terça-feira, 23 de setembro, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado vai promover um debate sobre o lugar do Brasil no mundo.
As transformações globais na economia e na ordem internacional estão tendo consequências para todos os países. Na economia mundial, o tarifaço do presidente Trump colocou um ponto final no sistema organizado de comércio exterior com regras previsíveis e estáveis. A geoeconomia prevalece com medidas comerciais impostas para obtenção de ganhos políticos.
Na ordem internacional, o multilateralismo está enfraquecido com o esvaziamento das Nações Unidas, no tocante à paz e à segurança. A OMC praticamente desapareceu como órgão regulador e de exame de soluções de controvérsias na área comercial. Duas guerras, na Ucrânia e em Gaza, aumentam a instabilidade e a incerteza nas relações internacionais.
‘Impõe-se a discussão do lugar do Brasil nesse mundo complexo, apesar das dificuldades criadas pelo momento de extrema complexidade política e econômica interna’
Nesse contexto, impõe-se a discussão do lugar do Brasil nesse mundo complexo, apesar das dificuldades criadas pelo momento de extrema complexidade política e econômica interna.
O julgamento do ex-presidente Bolsonaro e de um grupo de militares, inédito na história política brasileira, a discussão no Congresso da anistia, da blindagem dos congressistas contra eventuais processos, o conflito aberto entre o Legislativo e o Judiciário, apoiado pelo Executivo, o início dos debates sobre o processo eleitoral de 2026 ocupam toda a atenção da classe política e da sociedade civil.
‘As transformações que ocorrem no mundo passaram a expor as vulnerabilidades que o Brasil enfrenta’
As transformações que ocorrem no mundo passaram a expor as vulnerabilidades que o Brasil enfrenta. Potência média regional, de dimensão continental, com mais de 210 milhões de habitantes e uma das dez maiores economias do mundo, o Brasil, como todos os outros países, terá de se ajustar a essas novas realidades, enfrentando as vulnerabilidades internas e externas.
A polarização e a radicalização política e ideológica dos últimos anos no Brasil, assim como nos EUA e países europeus tornam difícil a discussão de um projeto nacional consensual, mas não impede que a sociedade civil e o Congresso discutam uma estratégia para o Brasil acima de interesses ideológicos e políticos, levando em conta o cenário internacional e os interesses nacionais.
‘Quais as prioridades e objetivos do país?’
Essas questões vão ser discutidas na comissão do Senado. Quais as prioridades e objetivos do país? Quais as reformas internas, tributária, administrativa, política serão necessárias, junto com a estabilidade da economia, para a redução do desequilíbrio fiscal, enxugamento da máquina pública e outras medidas para a queda da inflação e da taxa de juros? Como reduzir o desequilíbrio de renda das regiões e dos cidadãos? Como voltar a crescer a taxas mais altas de maneira sustentável? Como fortalecer uma indústria moderna e descarbonizada? Como melhorar o ambiente de negócios com previsibilidade de segurança jurídica? Como atrair investimentos para setores estratégicos? Como fortalecer a Defesa Nacional e de Segurança pela defesa da soberania em questões de fronteira e do crime organizado?
Do ponto de vista externo, qual o lugar do Brasil, potência média regional, no mundo? Como responder aos desafios da política externa dos EUA para a América Latina, que parece querer ressuscitar a Doutrina Monroe de 1823: a América para os Americanos? Como posicionar o país levando em conta as tensões entre os EUA e a China? Como alavancar a liderança na América do Sul? Como desenvolver projetos de integração física e de cadeias de valor regionais? Como ampliar os acordos comerciais do Mercosul para facilitar a diversificação de produtos e de mercados do comércio exterior? Como aproveitar as áreas em que o Brasil tem que ampliar sua voz no mundo, como segurança alimentar, transição energética e meio ambiente e mudança de clima? Será possível o Brasil manter equidistância entre os EUA e a China?
Essas e outras questões devem passar a ser discutidas pública e francamente para que as vulnerabilidades nas áreas de educação, saúde, defesa, tecnologia, Amazônia sejam enfrentadas e reduzidas.
A audiência pública no Senado vai oferecer oportunidade para que esses desafios sejam examinados de forma objetiva, sem preocupações partidárias, colocando o Brasil em primeiro lugar.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional