Notice: Function _load_textdomain_just_in_time was called incorrectly. Translation loading for the wordpress-seo domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/storage/c/6b/bd/interessenaciona1/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
Interesse Nacional
29 junho 2023

Daniel Buarque: Brasil, Índia, democracia e status internacional

Tratada como fundamental para o aumento do status brasileiro aos olhos do Ocidente, a democracia é jogada para segundo plano quando EUA e Europa lidam com a Índia. Potencial econômico e militar indiano aparenta colocar o país em um patamar mais alto de prestígio, e seu papel como possível contraponto à China e à Rússia aumentam a tolerância ocidental com o risco de autocracia sob Narendra Modi

Tratada como fundamental para o aumento do status brasileiro aos olhos do Ocidente, a democracia é jogada para segundo plano quando EUA e Europa lidam com a Índia. Potencial econômico e militar indiano aparenta colocar o país em um patamar mais alto de prestígio, e seu papel como possível contraponto à China e à Rússia aumentam a tolerância ocidental com o risco de autocracia sob Narendra Modi

O presidente Joe Biden e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi durante uma cerimônia na Casa Branca (Foto: The Hill)

Por Daniel Buarque*

Quando Luiz Inácio Lula da Silva visitou os Estados Unidos em fevereiro, um mês após assumir a presidência, a situação da democracia brasileira foi um dos temas centrais da reunião bilateral. “Brasil e Estados Unidos estão juntos, rejeitam a violência política e dão grande valor às instituições democráticas”, disse Joe Biden. 

A democracia é um tema fundamental da construção do prestígio brasileiro no mundo. Para alguns membros da elite de política externa das grandes potências globais, o caminho democrático melhora a imagem internacional do Brasil e pode impulsionar seu status global. 

‘A percepção externa de uma ameaça autocrata durante os quatro anos de governo de extrema-direita ameaçou o já abalado status do Brasil’

Durante todo o ano anterior, o governo americano havia atuado nos bastidores da eleição presidencial para deixar claro para Jair Bolsonaro que não apoiaria um golpe de Estado. A percepção externa de uma ameaça autocrata durante os quatro anos de governo de extrema-direita ameaçou o já abalado status do Brasil. E a noção de que um golpe tornaria o país um pária com certeza ajudou a impedir os planos mais radicais de Bolsonaro e dos militares.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/daniel-buarque-ataques-a-democracia-ameacam-construcao-do-prestigio-do-brasil/

É inegável que a democracia é um tema caro a Biden, que assumiu a presidência dos EUA depois de uma tentativa de Donald Trump de reverter ilegalmente o resultado das urnas e de ter vistoa insurreição dos eleitores do republicano que invadiram o capitólio americano. Em meio a disputas geopolíticas com governos autocráticos da Rússia e da China, o americano já declarou até mesmo que a batalha entre a democracia e a autocracia é a luta que define os nossos tempos.

Mas quando a ameaça à democracia acontece em um país que é visto como mais importante no atual cenário global, e que pode favorecer os interesses ocidentais, o comportamento dos EUA e de outras grandes potências é diferente.

‘Ao receber o primeiro-ministro indiano Narendra Modi em Washington neste mês, o presidente americano silenciou sobre a situação da democracia na Índia’

Ao receber o primeiro-ministro indiano Narendra Modi em Washington neste mês, o presidente americano silenciou sobre a situação da democracia na Índia, apesar dos crescentes relatos de centralização de poder, perseguição a opositores e violações aos direitos humanos no país. De acordo com o New York Times, o contexto de disputas com a Rússia e a China leva os EUA a ignorarem os problemas políticos domésticos da Índia, assim como o fazem com países como Arábia Saudita e Filipinas, que também têm problemas de direitos humanos.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/felipe-tirado-estado-constituicao-e-defesa-da-democracia-pressupostos-para-o-brasil-que-podemos-vir-a-ser/

A democracia é vista pelas grandes potências ocidentais como fundamental para o Brasil, país que é percebido pelas grandes potências como uma nação emergente sem muito poder militar, em uma região pacífica e sem direito a uma voz ativa em questões de impacto global além do aquecimento global. Mas a ameaça autocrata é relativizada quando se observa a Índia, “a nação intermediária mais importante na política global. Influente o suficiente para mudar o equilíbrio de poder”, explicou o NYT. 

Além de ainda ser formalmente uma democracia, o país é visto como um verdadeiro candidato a ser uma potência global, com sua imensa população, economia ascendente e mesmo poder militar de peso. Como explicou o correspondente do jornal recentemente, “os EUA olham para a Índia como um possível substituto parcial para a China. Eles não querem pensar nessas questões relacionadas ao estado da democracia indiana ou à minoria indiana. Eles se contentam em se concentrar no progresso econômico, na reconstrução da infraestrutura, em superar muitos velhos obstáculos e deixar de lado as questões sobre liberdades políticas e a natureza da democracia.”

‘A Índia tornou-se estrategicamente importante para o Ocidente’

A Índia tornou-se estrategicamente importante para o Ocidente, explicou o analista político Pankaj Mishra ao jornal britânico The Guardian. “A Índia é vista como um importante contrapeso para a China e a Rússia, e é vista como o tipo de país que pode inclinar a balança para o outro lado”.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-ataque-golpista-no-brasil-e-um-reflexo-do-descredito-da-democracia-em-nivel-global/

Minha pesquisa de doutorado pelo King’s College London (em parceria com a USP) revelou que a percepção do status do Brasil é parecida. O país é visto como uma peça disputada no tabuleiro da geopolítica. Mas o Brasil é apenas um “peão”, uma peça de menor valor, enquanto a Índia se coloca como um ator cada vez mais relevante na política internacional. Relevante a ponto de a democracia não ser nem vista como tão fundamental, mesmo enquanto a maior potência do mundo diz que a grande disputa do mundo atual é pela sua defesa.

Uma hipótese que pode ser tirada da comparação entre os dois países é que, apesar de a ameaça à democracia estar presente tanto no Brasil (especialmente durante o governo Bolsonaro) quanto na Índia (sob Modi), ela afeta mais o status do Brasil. Isso se dá porque o Brasil não tem tanta força econômica e militar, então precisaria de outros fatores que ajudassem a melhorar seu prestígio, como a democracia. A Índia de Modi, por outro lado, mantém uma economia em ascensão, tem poder militar e armas nucleares — além de estar em uma região volátil e importante para o mundo. O status da Índia, portanto, depende menos da imagem da sua democracia, fundamental para o prestígio brasileiro. 


*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional 

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter