20 outubro 2023

Rubens Barbosa: Venezuela – Negociação com a oposição

Acordo mediado pela Noruega e com apoio do Brasil prevê eleições livres e monitoradas no país no próximo ano. Para embaixador, medida é um importante passo para a normalização politica na Venezuela

Acordo mediado pela Noruega e com apoio do Brasil prevê eleições livres e monitoradas no país no próximo ano. Para embaixador, medida é um importante passo para a normalização politica na Venezuela

Oposição e governo assinam acordo para eleições livres na Venezuela (foto: CC)

Por Rubens Barbosa*

O conflito na faixa de Gaza, com seus dramáticos desenvolvimentos em termos humanitários, deixou passar quase despercebido um importante passo para a normalização politica na Venezuela.

Na terça-feira, 17, foram assinados dois acordos sobre direitos políticos e proteção de interesses vitais da nação entre o governo de Maduro e a coalizão opositora Plataforma Unitaria Democrática, relacionados às próximas eleições presidenciais na Venezuela em 2024. Os acordos foram mediados pela Noruega, e tiveram Brasil, México, Rússia, Colômbia e Holanda como testemunhas. Como representante brasileiro, participou da cerimonia o assessor internacional da Presidência da República, o embaixador Celso Amorim.

O governo dos EUA vinha insistindo com Caracas para que fosse estabelecido um acordo com os opositores do regime venezuelano que garantisse uma elelição transparente sob supervisão internacional em troca da suspensão das sanções norte-americanas sobre a exportação de petróleo venezuelano.

‘O Brasil, desde janeiro deste ano, com o governo Lula, tem buscado também influir nesse processo de mediação entre governo e oposição em conversas diretas em Caracas’

O Brasil, desde janeiro deste ano, com o governo Lula, tem buscado também influir nesse processo de mediação entre governo e oposição em conversas diretas em Caracas, junto ao governo do presidente Gustavo Petro da Colômbia e com representantes dos governos de Washington e de Oslo. Nessa semana, Lula conversou por telefone com Maduro certamente para estimular o fechamento do acordo.

As relações com o regime chavista após a posse do presidente Lula, em janeiro, se normalizaram com a reabertura da embaixada em Caracas. Em agosto, durante a reunião de cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, Lula deu tratamento especial a Maduro, em reunião bilateral, antes do inicio da Conferência. Na oportunidade, Lula falou que havia uma narrativa contra a Venezuela e disse que a democracia é um conceito relativo porque Maduro tinha realizado mais eleições do que o Brasil. 

A fala de Lula foi criticada por líderes como o presidente do Uruguai, Lacalle Pou ( de centro-direita), e também pelo presidente do Chile, Gabriel Boric (de esquerda) Em um encontro no Itamaraty, Pou afirmou que Lula “tapa o sol com a peneira” quando faz esse tipo de afirmação. Já Boric disse que as declarações de Lula são “descoladas da realidade”. 

No governo anterior, Jair Bolsonaro, reconhecia o então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como governante venezuelano, seguindo uma iniciativa do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Embora não rompendo relações com a Venezuela, Bolsonaro congelou o relacionamento bilateral, retirando os diplomatas da embaixada em Caracas e fechando os consulados naquele pais, deixando os brasileiros sem assistência consular.

‘O acordo com a oposição venezuelana ressalta o repúdio a qualquer forma de violência no exercício da política e prevê que as eleições deverão ocorrer no segundo semestre de 2024, com a presença de observadores internacionais’

O acordo com a oposição venezuelana ressalta o repúdio a qualquer forma de violência no exercício da política e prevê que as eleições deverão ocorrer no segundo semestre de 2024, com a presença de observadores internacionais, inclusive a União Europeia. Houve concordância em respeitar os processos de escolha interna de cada ator político. A oposição deverá escolher no fim de semana o candidato que enfrentara o presidente Maduro. Deverá haver uma atualização do registro eleitoral, inclusive no exterior. Dentre as “missões técnicas de observação eleitoral” , que acompanharão a eleição, estão a União Europeia, a ONU, a União Africana, a União Intramericana de Organismos Eleitorais e o Centro Carter.

O presidente Lula manifestou-se na mídia social: “Saúdo a assinatura dos acordos para promoção dos direitos políticos e garantias eleitorais e para garantia dos interesses vitais da nação entre o governo da Venezuela e a oposição no país. A importante assinatura aconteceu hoje, em Barbados, com participação brasileira e de outros representantes de países como Estados Unidos, México, Países Baixos, Rússia e Colômbia, com a mediação da Noruega”. 

O importante avanço politico não resolveu a questão da inabilitação politica de possíveis candidatos, inclusive à disputa presidencial, considerada inconstitucional pela oposição. O acordo menciona que todos os candidatos podem concorrer “desde que cumpram os requisitos estabelecidos para participar da eleição presidencial, de acordo com os procedimentos estabelecidos na lei venezuelana”. Com essa medida, Maria Corina Machado, a favorita nas primeiras para enfrentar Maduro, não poderá concorrer por estar inabilitada por 15 anos. 

Na quarta feira, 18, em rápida decisão do governo de Washington, talvez em função das restrições geopolíticas ao petróleo e à subida de seu preço, o Departamento de Estado anunciou que o Tesouro norte-americano suspendeu por seis meses as sanções que proibiam transações financeiras relacionadas ao setor de energia (petróleo e gás), mineração e de títulos do governo venezuelano. Foi anunciado também que essa mudança de política poderá ser revertida se o governo Maduro não suspender a proibição de candidatos da oposição e não liberar prisioneiros políticos (inclusive oito americanos). 

Na quinta-feira (19) Maduro começou a implementar o acordo com a liberação dos primeiros cinco prisioneiros políticos, o que é um sinal positivo para o desenvolvimento normal do acordo. Resta saber se os principais opositores vão também ser libertados.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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