Rubens Barbosa: Notas de associação e sindicato de diplomatas criam dissonâncias internas no Itamaraty
Manifestações após a revelação sobre presença de diplomatas em reunião de teor golpista parecem endossar acusação de que envolvidos seriam antidemocráticos. Para embaixador, as notas foram inconvenientes e inoportunas porque colocam o Itamaraty no centro das discussões de uma grave questão política e contribui para aumentar as divisões internas e manchar o respeito que a instituição tem na sociedade brasileira.
Manifestações após a revelação sobre presença de diplomatas em reunião de teor golpista parecem endossar acusação de que envolvidos seriam antidemocráticos. Para embaixador, as notas foram inconvenientes e inoportunas porque colocam o Itamaraty no centro das discussões de uma grave questão política e contribui para aumentar as divisões internas e manchar o respeito que a instituição tem na sociedade brasileira
Por Rubens Barbosa*
A divulgação do vídeo de reunião no Palácio do Planalto em julho de 2022 com ministros e outros altos funcionários do governo Bolsonaro tem causado fortes repercussões políticas. As ações do Supremo Tribunal Federal e da Polícia Federal estão promovendo investigações sobre os participantes que se pronunciaram no encontro. Até aqui, contudo, não há qualquer iniciativa em relação aos ministros e os outros altos funcionários presentes à reunião. Estavam presentes no encontro, do lado do Itamaraty, o secretário-geral, o chefe do cerimonial e um diplomata que assessorava o secretário-geral.
Nesse contexto, foram surpreendentes e causam preocupação as intervenções da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB) e do sindicato dos funcionários do Itamaraty (Sinditamaraty), ao publicar notas que, de um lado, trata de questão de política interna e que, de outro, cobra que investigações sobre o papel de diplomatas brasileiros em atos golpistas.
A ADB afirmou seu “repúdio a movimentos destinados a subverter a ordem democrática e os princípios do Estado de Direito” e diz estar acompanhando a investigação e a apuração a “possível utilização de estruturas de Estado para o planejamento de atos antidemocráticos, em cumprimento aos precedentes constitucionais e observado o devido processo legal”. A manifestação política da ADB não tem nada a ver com sua missão básica de defender os interesses de seus membros.
O Sinditamaraty – que deveria defender os interesses dos servidores do Itamaraty – expressa “sua mais profunda indignação diante dos indícios de que diplomatas participaram ou tomaram conhecimento do teor da reunião ministerial. É inaceitável que membros do corpo diplomático brasileiro possam ter se envolvido em atividades que minam os princípios fundamentais da democracia brasileira.
A associação, “exige investigação imediata sobre a conduta desses servidores durante a referida reunião, bem como a apuração rigorosa do envolvimento do então chanceler (Carlos França) e demais diplomatas pelas autoridades competentes”. “A aparente omissão de servidores em denunciar uma tentativa de golpe de Estado é inaceitável e pode manchar a reputação e valores da diplomacia brasileira”.
A carreira diplomática é uma carreira de Estado, que deve ficar longe da militância política, como ensinou o Barão do Rio Branco ao assumir o ministério no longínquo 1903. Mesmo durante o período militar, houve consenso interno, apesar das divergências individuais, e, em larga medida, o Itamaraty foi preservado.
As notas trazem para dentro do Itamaraty um debate que ocorre na sociedade e no meio político. A instituição não pode entrar no debate político interno sem grave risco de divisão na corporação, com prejuízo para a formulação e execução da política externa.
As notas foram inconvenientes e inoportunas porque colocam o Itamaraty no centro das discussões de uma grave questão política e contribui para aumentar as divisões internas e manchar o respeito que a instituição tem na sociedade brasileira.
Ao invés de exigir investigação, a ADB e o Sinditamaraty deveriam defender os funcionários diplomáticos que, por dever profissional, estavam na infausta reunião. Até quem não estava na reunião, de acordo com o sindicato, deveria ser investigado. A manifestação é mais insólita por não ter havido qualquer acusação aos diplomatas até aqui serem golpistas ou antidemocráticos, apenas comentários nos meios de comunicação, que a nota parece endossar.
Os pronunciamentos da ADB e do Sinditamaraty criaram um ambiente de dissonâncias internas, agravado com mensagens anônimas contrárias ao debate transparente e franco dentro da Instituição.
*Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental
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Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional