Teoria dos jogos mostra a dificuldade de o Brasil conquistar assento permanente no Conselho de Segurança
Estudo sugere que os países que já têm assentos permanentes no Conselho de Segurança (Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China) tendem a buscar manter o status quo, pois possuem interesses em conservar seu poder de veto e influência global
A volta de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência e o foco da política externa em reconquistar o prestígio do Brasil no mundo trouxe de volta ao discurso oficial o apelo por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Juntamente com a Índia, Japão e Alemanha, o grupo conhecido como G-4 tem defendido a expansão do CSNU para incluir novos membros permanentes. A justificativa é que esses países possuem crescente influência econômica e política, merecendo uma participação mais ativa nas decisões globais de paz e segurança.
Uma pesquisa recente usa a teoria dos jogos para analisar este pleito e joga um balde de água fria sobre as aspirações do Brasil e do G-4, entretanto. O estudo oferece uma visão clara dos desafios enfrentados pelo Brasil em sua tentativa de se tornar um membro permanente do CSNU.
O estudo sugere que os países que já têm assentos permanentes no Conselho de Segurança (Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China) tendem a buscar manter o status quo, pois possuem interesses em conservar seu poder de veto e influência global. Dessa forma, mesmo que a Assembleia Geral da ONU inicialmente aceitasse a proposta do G-4, a votação no Conselho de Segurança provavelmente resultaria na rejeição da inclusão de novos membros permanentes.
Este é um dos principais achados do artigo A entrada do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU: uma análise segundo a teoria dos jogos, publicado pela Revista Conjuntura Austral. O paper é um estudo dos pesquisadores Brena Paula Magno Fernandez, Graciela Pagliari e Rodrigo Rodolfo Pizzolatti, da Universidade Federal de Santa Catarina.
O artigo explica que ideias de reformas no CSNU são discutidas desde a década de 1960 com o objetivo de torná-lo mais representativo e eficaz. Isso se dá porque a configuração do conselho com cinco membros permanentes com poder de veto reflete o equilíbrio de poder do após aSegunda Guerra Mundial, o que, segundo muitos críticos, não corresponde mais à realidade geopolítica contemporânea.
Utilizando a teoria dos jogos, os pesquisadores conseguiram ilustrar a complexidade das negociações internacionais e a resistência intrínseca às mudanças no poder estabelecido. O estudo usou uma modelagem da situação a partir do “jogo de dois níveis” proposto por Robert Putnam. Esse modelo analisa as interações em dois níveis: doméstico e internacional. Além disso, foi criada uma simulação para prever os resultados de uma possível votação sobre a inclusão do Brasil como membro permanente do Conselho. O artigo aponta que a, apesar da persistência do Brasil e do G-4 , a probabilidade de sucesso imediato é baixa.
A conclusão é baseada na racionalidade política dos países detentores de veto, que preferem evitar qualquer redistribuição de poder que possa diminuir sua própria influência. O estudo destaca que essa resistência é um obstáculo significativo para qualquer tentativa de reforma substancial no Conselho de Segurança.
Essa avaliação confirma o que minha própria pesquisa sobre o status do Brasil já havia revelado em relação à ambição brasileira de entrar no seleto grupo de grandes potências com assento permanente no CSNU. No livro Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power, explico que a percepção da comunidade de política externa dos países que são membros permanentes é de que o conselho de fato não reflete a hierarquia de poder do mundo atual, mas que não é do interesses de nenhum desses países diluir seu próprio prestígio concedendo poder de veto e assentos permanentes a novos membros.
O artigo recente também contribui para um entendimento mais profundo das dinâmicas políticas internacionais e destaca a necessidade de estratégias bem planejadas para promover mudanças significativas em instituições globais.
A rejeição da proposta não implica que os esforços do Brasil e de seus aliados do G-4 sejam inúteis, segundo a pesquisa. A busca por um assento permanente no Conselho de Segurança reforça a posição do Brasil como um ator importante nas negociações internacionais e pode aumentar sua influência em outros fóruns multilaterais. Além disso, a pressão contínua por reforma pode, a longo prazo, resultar em mudanças incrementais na estrutura do Conselho, avaliam os pesquisadores.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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